Um grande passo para a humanidade

OPINIÃO - Arnaldo Jardim*
17/02/2005 19:58

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16 de fevereiro de 2005. Poderia ser um dia como outro qualquer, mas simboliza um marco na luta por uma relação mais harmônica entre homem e natureza. Entra em vigor o Protocolo de Kyoto, um acordo envolvendo 194 países, ONGs e organismos intergovernamentais, que pretende minimizar os efeitos das emissões de poluentes causadores do chamado efeito estufa.

Não é de hoje que venho alardeando os efeitos nocivos do aquecimento global e das conseqüentes mudanças climáticas causadas por ele. A lista é grande, talvez do tamanho do desafio de agregar forças para que o Protocolo fosse ratificado. Derretimento das geleiras, conseqüente elevação dos oceanos, inversão térmica, prejuízos na agricultura, as catástrofes "naturais" como inundações e ondas de calor, extinção de espécies da fauna e flora, são apenas alguns reflexos do crescimento desordenado promovido pelo homem.

O Protocolo de Kyoto surgiu em 1997, mas demorou quase oito anos para entrar em vigor. Com o lema "responsabilidade comum, mas diferenciada" o Protocolo estabelece, num primeiro momento, que países desenvolvidos, responsáveis por 55% das emissões de gases causadores do efeito estufa, reduzam os níveis de emissão em 5% até 2012, com base nos níveis registrados em 1990. Todavia, isso não isenta países em desenvolvimento como o Brasil de reduzirem suas emissões, como, em nosso caso específico, combater o crescente problema das queimadas e do desmatamento.

Mas, a espinha dorsal desse acordo se refere à implantação dos Mecanismos de Desenvolvimento Limpo, ou MDL, e com ele o mercado de créditos de carbono. Essa inovação nada mais é que uma política compensatória, onde países desenvolvidos poluidores podem comprar os créditos de carbono de países que investem na geração de fontes energéticas menos poluentes. Nessa complexa aritmética climática foi estabelecido valores em dólares ou euros - que variam de 10 euros, na bolsa Européia de Energia, a US$ 3,5 a US$ 5, no caso do Banco Mundial - por cada tonelada de gases poluidores que deixam de serem lançados na atmosfera. O Comitê Executivo de Mudanças Climáticas da ONU (Organização das Nações Unidas) é responsável por avaliar os projetos de créditos de carbono e gerenciar a compra dos mesmos pelos países desenvolvidos.

Especialistas apontam que o mercado de créditos de carbono pode girar em torno de US$ 1 bilhão em transações anuais, com investimentos de US$ 13 bilhões até 2007. O Banco Mundial já anunciou que pretende investir cerca de US$ 850 milhões para fomentar o desenvolvimento de iniciativas dentro do MDL.

De olho neste mercado, o Brasil começa a se movimentar para garantir um lugar de destaque nessas transações. Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), em junho de 2004, O Brasil detinha 29 dos 86 projetos de MDL em diferentes fases no mundo. Os projetos vão desde a utilização do gás metano para geração de energia elétrica, a exemplo do que ocorre em alguns aterros sanitários; na utilização de gás natural usado nos fornos e nas caldeiras das indústrias, nos programas de florestamento e reflorestamento destinados à produção de celulose ou de madeira; no uso do bagaço da cana e, principalmente, em relação aos biocombustíveis como o álcool combustível e o biodiesel.

Nesse ponto o Brasil já sai na frente, afinal desenvolveu ao longo dos últimos 30 anos uma experiência inédita de adotar uma alternativa energética renovável como o álcool, distribuída em todos os 33 mil postos do País. Como a mistura de álcool na gasolina diminui a emissão de poluentes, a exportação deste combustível renovável já é uma realidade. Em 2004, as exportações alcançaram 2,3 bilhões de litros, e as usinas esperam um 2005 ainda melhor. Para atender a demanda, os empresários do setor já investem para ampliar a produção, hoje em cerca de 14 bilhões de litros/ano, em logística e na construção de novos terminais de embarque.

Atento a essa nova realidade, o governo paulista lançou recentemente o Fórum Estadual de Mudanças Climáticas e Biodiversidade com o objetivo de organizar as condições de competitividade de São Paulo e do Brasil na disputa pelo mercado de créditos de carbono. Com essa iniciativa, que conta com o apoio da Frente Parlamentar pela Energia Limpa e Renovável, da qual sou coordenador, queremos colocar o Estado de São Paulo na vanguarda do combate ao efeito estufa.

Mas o governo federal precisa começar a arregaçar as mangas, estabelecendo, desde já, quais são os setores mais competitivos e induzindo sua entrada no mercado de créditos de carbono, definindo como metas o desenvolvimento sustentável e a responsabilidade social. A Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima - CIMGC não pode se perder em meio à burocracia, ou por qualquer outro fator, pois seria um tiro no pé na pretensão de desenvolvermos políticas públicas de desenvolvimento de projetos dentro do MDL.

Na UE, por exemplo, já existem transações privadas de papéis, pois os europeus anteciparam à entrada em vigor do Protocolo e impuseram o corte de 8% nas suas emissões sobre a base de 1990. No Brasil, o convênio entre o MDIC e a BM&F para organizar um mercado de carbono ainda não saiu do papel, pois ainda não tem sequer uma rubrica para entrada dos pagamentos desses certificados de crédito de carbono, que têm sido registrados como créditos de exportação.

Mesmo não significando o fim das emissões de poluentes a ratificação do Protocolo de Kyoto pode ser "um pequeno passo para o homem, mas um grande passo para a humanidade". Pode simbolizar o início de uma nova era, pautada pelo desenvolvimento sustentável e pelo respeito ao meio ambiente. E o Brasil pode ter um papel importante dentro desta nova ordem mundial.



Arnaldo Jardim

Deputado Estadual e Coordenador da Frente Parlamentar pela Energia Limpa e Renovável

e-mail: arnaldojardim@arnaldojardim.com.br

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