PROVE E GOSTE - OPINIÃO

Milton Flávio
10/10/2001 18:56

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O enredo é de conhecimento geral, amplo e irrestrito. O sujeito passa a vida toda sonhando com a aposentadoria. Quer tempo livre. Para ficar com a patroa, amor e ódio de inúmeros anos. Para ficar com os netos, nova (quando não única) razão de viver. Para papear com os amigos, sem compromisso ou pressa. Para dormir até tarde, até porque o sono, agora, mais do que nunca, tarda a chegar. Para falar com os filhos. Para lhes dar a atenção que os compromissos profissionais o impediram no passado. Quer tempo livre para... Para quê? Para talvez descansar de tudo o que fez e, sobretudo, para fazer tudo o que não fez. E aí começa o problema. A rigor, ninguém sabe bem o que fazer com o tempo livre, escravos que somos (graças a Deus!) dos compromissos. Talvez uns poucos saibam, quem sabe? Mas como mudar assim de repente, de uma hora para outra, hábitos de uma vida inteira? Difícil. Quase impossível.

O "velho", no fundo, quer ficar de papo para o ar. E papo para o ar, quando prolongado, significa, entre tantas outras coisas, decepção, fossa, para usar uma expressão em desuso. Decepção porque os filhos têm que ganhar a vida, assim como ele (ou ela) teve que ganhar no passado. Um beijinho ligeiro no caçula, um afago fugaz no mais velho, e até loguinho, porque há muito trabalho pela frente. Os netos... Os netos - quem os têm sabe - adoram jogar futebol, vão na escola por obrigação, freqüentam o Inglês empurrados e acham os avós quase sempre um pé. Sejamos sinceros: aqueles amigos de dominó - ou as colegas de cabeleireira - é que são um verdadeiro saco. Vivem, eles e elas, a reclamar de tudo e de todos: da falta de atenção da filha mais velha, do gênio do genro, do joanete, da pressão alta, do maldito diabete, da próstata avolumada. A lista de queixumes tem começo, mas desconhece o fim.

E aí, na cabeça vazia - ou melhor, povoada de demônios - instalam-se os problemas, reais e imaginários. Sabe quem morreu? Xiii, o fulano - coitado, sofreu um derrame. Teve mais sorte, porém, que o outro do quarto andar, vítima de trombose e de um diabete que o deixou cego, surdo e mudo. Feito Padre Cícero. O jeito é se encolher, se isolar, se deprimir, rogar a Deus e a todos os santos por mais algumas horas. O máximo de entusiasmo que se consegue não vai além de comentários do tipo: "Ele (ou ela) está pior do que eu". De tanto se encolher, o velho e a velha ficam a espera de que alguém os coloque sob o sol e que tenha a bondade infinita de retirá-los do inferno algumas horas depois. É a vida, de triste fim anunciado.

Agora, há velhos e velhas, moços e moças. Tem gente que passa a vida inteira esperando Godot. Tem gente que passa a vida inteira perseguindo Godot. A diferença entre esperar e perseguir, é óbvio, faz toda a diferença. Por quem espera, pouco se pode fazer. Mas é possível agir em prol dos que perseguem, dos que não querem terminar a vida sendo postos e retirados do sol. Ao sabor das disponibilidades alheias. O idoso precisa de uma ocupação. E nós - a sociedade - carecemos de que estejam ocupados, animados, contribuindo com seus conhecimentos e com sua experiência.

Esta é a razão que me levou a apresentar à Assembléia Legislativa de São Paulo projeto que cria o Programa Voluntariado Especial (Prove). Seu objetivo é fazer com que os órgãos estaduais da administração direta e indireta, bem como as fundações, desenvolvam atividades que incentivem a participação dos idosos em trabalhos voluntários junto a creches, escolas, centros de saúde, parques públicos, centros de lazer etc. Como recompensa, receberão do Fundo Social de Solidariedade uma menção honrosa e ingressos gratuitos em espetáculos culturais, esportivos, de lazer. Eles têm muito a contribuir; e nós, muito a aprender. A não ser que se considere o fino da bossa esperar a morte chegar.

Milton Flávio é deputado pelo PSDB, presidente da Comissão de Assuntos Internacionais da Assembléia Legislativa de São Paulo e professor da Faculdade de Medicina da Unesp, em Botucatu

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