"Pela ciência, vencerás"

OPINIÃO - Arnaldo Jardim*
31/03/2004 17:19

Compartilhar:


A frase, que estampou o brasão da Universidade de São Paulo - USP, no dia 25 de janeiro de 1934, ocasião em que foi fundada, acabou por sintetizar o sentimento dos paulistas num período extremamente difícil na luta pela democratização do País. O ideal de liberdade, defendido pelos paulistas em 1932, havia sido sepultado nos campos de batalha. No entanto, a semente do conhecimento já tinha sido plantada por homens de visão como Julio de Mesquita Filho e Armando de Salles Oliveira. O sonho humanista de transformar o Brasil num país democrático, por meio da disseminação da cultura e da ciência, floresceu, e hoje completa 70 anos de vida como um centro de excelência em educação, referência na América Latina e no mundo.

Agregando, inicialmente, nove cursos superiores - entre eles, alguns já tradicionais, como a Escola Politécnica, a Faculdade de Medicina, a Faculdade de Direito do Largo São Francisco e a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz -, a USP foi uma multiplicadora de saber e de desenvolvimento, não só na capital, como no interior. Cidades como Ribeirão Preto, São Carlos, Bauru e Pirassununga se tornaram pólos de conhecimento e de pesquisa.

Na capital paulista, o exemplo das transformações que ocorreram na zona oeste com a implantação da Cidade Universitária criou grande expectativa entre a população da zona leste, com a construção do novo campus da USP, fato que acompanho como integrante da Comissão de Representação da Assembléia Legislativa.

Para se avaliar a participação da USP no crescimento do País, basta lembrar que os primeiros transplantes de coração, fígado e rins na América Latina foram feitos em sua Faculdade de Medicina. Há destaques nas áreas de Física e Química, como o desenvolvimento do relógio atômico e do microscópio brasileiro. Foram também os pesquisadores da USP, em parceria com os do Instituto de Pesquisas Tecnológicas - IPT, que permitiram ao Brasil se transformar em potência na indústria do aço. A Escola Politécnica foi responsável pelo desenvolvimento do primeiro computador brasileiro, e, atualmente, desenvolve tecnologia para plataformas de extração de petróleo em águas profundas. O Instituto de Ciências Biomédicas da universidade inaugurou o primeiro laboratório do País com nível de biossegurança 3, necessário para o estudo de bactérias e vírus de alto risco. Isso, sem falar nas pesquisas desenvolvidas pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), que ajudaram a credenciar o Brasil como uma potência agrícola.

Hoje, a USP é a primeira no País em quantidade e qualidade de graduados e pós-graduados, sendo responsável por 25% de toda produção científica, mesmo contando com 4.884 professores, ou seja, 10% dos 56 mil pesquisadores brasileiros na ativa.

No plano internacional, a contribuição da USP também torna-se cada vez mais marcante. Para cada 250 artigos publicados nos principais periódicos de ciência e tecnologia, um leva o carimbo de um pesquisador da USP. A universidade tem 31% dos doutores do País e quase 28 mil alunos matriculados, divididos nas 36 faculdades.

Para atingir este grau de desenvolvimento tecnológico se faz necessário um grande volume de investimentos. O orçamento da USP, em 2004, chega a R$ 1,6 bilhão - 80% desse valor vai para o pagamento de seus 20 mil funcionários, incluindo o corpo docente - volume insuficiente em relação às necessidades de uma universidade que uma referência em pesquisa. A universidade recebe, ainda, cerca de 10% do orçamento do CNPq - cerca de R$ 50 milhões. Já da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) desembolsa 40% dos seus recursos para a instituição. Além disso, dentre os dez Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) criados pela Fapesp em 2000 - para funcionar como núcleos de excelência em áreas estratégicas de pesquisa - a USP tem participação em pelo menos cinco.

O desafio agora é difundir o conhecimento produzido na universidade, de modo que, além de publicações, ele possa dar origem a produtos e outras tecnologias, e garantir a continuidade da qualidade no ensino.

Atualmente, o grande problema enfrentado pela USP está no sucateamento do ensino público em geral, que, depois de comprometer os ensinos básico, fundamental e médio, está chegando aos cursos superiores, tendência confirmada pela evasão crescente de cérebros. Com o fim do benefício integral para os professores com a reforma da Previdência, em 2003, 170 se afastaram. Em 2002, foram 90 e, em 2001, 85. O salário inicial de um professor doutor na USP é de R$ 4,7 mil, enquanto nas instituições particulares passa de R$ 8 mil. Essa situação é preocupante, pois ameaça a verdadeira riqueza da USP - a manutenção das pessoas responsáveis por transmitir todo conhecimento adquirido para as novas gerações.

Como aluno da Escola Politécnica da USP, minha história está intrinsecamente ligada à universidade. Foi lá, na década de 70, que comecei minha vida política como líder estudantil e onde fui diretor do Diretório Central dos Estudantes - DCE da USP e da União Estadual dos Estudantes, num período efervescente da luta contra a ditadura militar e pela democracia. Agora, minha luta está em garantir à USP condições para continuar seguindo os ideais daqueles que a fundaram, 70 anos atrás, transformar o Brasil num país mais democrático, com justiça social por meio da disseminação da cultura e da ciência.

*Arnaldo Jardim é engenheiro civil, formado pela Poli-USP, e deputado estadual pelo PPS

alesp