O meu guri - OPINIÃO

Vitor Sapienza*
19/06/2000 12:00

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"Quando, seu moço, nasceu meu rebento, não era o momento dele rebentar,

foi nascendo com cara de fome, eu não tinha nem nome para lhe dar."



As recentes imagens do seqüestro de um ônibus, no Rio de Janeiro, ainda estão muito vivas em nossas mentes e, acima de tudo, nos trazem a certeza de que, se a situação está ruim, a tendência é que ainda vai piorar, para desespero de todos nós. A frase pode soar muito rude, mas, infelizmente, não deixa de ser verdadeira.

Recentemente, publicamos um artigo criticando a postura da nossa alta sociedade, que está investigando a blindagem de veículos, ao mesmo tempo blindando as próprias mentes, na medida em que vira as costas para o problema. A violência que assola principalmente as grandes cidades tem raízes muito mais profundas do que se imagina.

Sem querer ser adepto da violência - muito pelo contrário -, basta dar uma olhada no noticiário da triste chacina da Candelária, no Rio de Janeiro, quando vários jovens foram mortos por policiais. Na ocasião, muito se falou da ingenuidade das vítimas e quase nada se fez para recuperar não apenas os sobreviventes, como também as milhares de futuras vítimas. Vítimas dos dois lados, do, digamos, lado bom da sociedade, bem como do outro, onde menores que deveriam estar nas escolas ou no trabalho, manipulando uma caneta ou uma ferramenta, viraram instrumento de apoio do tráfico e membros ou chefes de quadrilhas. Um desses sobreviventes continuou nas ruas. Vitima ou personagem, ele se encaixa naquilo que o cantor e compositor Chico Buarque cantou com tanta maestria: "Foi nascendo com cara de fome, eu não tinha nem nome para lhe dar".

A própria mãe confirmou as palavras do compositor. O nome de batismo era diferente do nome dado pela família que teria adotado o menor. O "seu guri" cresceu, foi para as ruas e, como predisse o poeta, "ele um dia me disse que chegava lá, e chegou". Chegou às manchetes e jornais de todo o mundo e, uma vez mais, colocou o país na boca dos que classificam como sub-raça. Os nossos horrores foram expostos de alto a baixo do equador e apenas cairão no esquecimento quando um fato de igual envergadura vier, uma vez mais, agitar nossa falsa esperança de que um dia as coisas entrarão nos eixos. "Não entendo essa gente fazendo alvoroço demais..."

Enquanto isso, estaremos fingindo que o problema atinge apenas o andar de baixo. A violência que até recentemente era rotina na periferia ganhou status de classe média e se manifesta na Febem. Menores bem nascidos, sem perspectivas, sem emprego e à mercê das drogas já se misturam com a classe inferior, que até recentemente predominava nas febens. A marginalidade desconhece fronteiras, e não hesita em atacar onde quer ou decide, em um carro importado ou no boteco onde a pobreza e a miséria são separadas por um tênue traço. E desses antros brotam monstros de face imberbe, mas dotados de uma crueldade infinita. Até quando?.. "Eu consolo ele, ele me consola... quando acordo, olho pro lado, o danado já foi trabalhar, olha aí, olha aí, é o meu guri."

*Vitor Sapienza é deputado estadual e líder do PPS na Assembléia Legislativa.

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