Estatuto assegura dignidade aos idosos

OPINIÃO - Emidio de Souza*
24/11/2003 19:44

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Passados oito anos da tragédia da Clínica Santa Genoveva, no Rio de Janeiro, quando 102 idosos morreram em conseqüência das más condições de higiene em que viviam, os proprietários - três médicos - não sofreram até o momento nenhuma punição criminal. À época do acontecimento - início de 1996 - a clínica era na verdade um depósito de idosos abandonados por suas famílias à espera da morte. As enfermarias e a cozinha estavam imundas, os pacientes tinham suas roupas pessoais e as de cama sujas de fezes e não recebiam dieta especial. A água servida tinha coliformes fecais e bactérias, como a salmonella.

A partir de 1º de janeiro de 2004, no entanto, quem submeter idosos a tratamento semelhante deve pensar duas vezes. Isto porque a Câmara Federal, presidida pelo deputado João Paulo Cunha (PT-SP), aprovou - e o governo Lula transformou em lei - o Estatuto do Idoso, que passa a vigorar nessa data. O Estatuto prevê uma série de direitos às pessoas com idade igual ou superior a 60 anos e também punições penais para quem desrespeitá-lo. Por exemplo: se algum idoso receber tratamento semelhante ao da Clínica Santa Genoveva os responsáveis poderão ser punidos criminalmente, inclusive com pena de reclusão, mais multa.

Um dos muitos méritos do Estatuto do Idoso é que ele consolida a legislação vigente sobre o assunto e introduz novas normas, algumas punitivas, para quem infringi-lo. Todo ele foi elaborado para garantir uma vida digna aos nossos idosos, hoje estimados em 20 milhões de pessoas. O próprio presidente Lula disse ao assinar a lei, em 1º de outubro passado, Dia Internacional do Idoso, que "a dignidade do idoso passa a ser um compromisso civilizatório do povo brasileiro". Conforme o presidente da República, o envelhecimento passa a ser um direito da pessoa e sua proteção um direito social.

Pelo novo Estatuto, o idoso goza de todos os direitos fundamentais, assegurando-lhe, por lei ou outros meios, todas as facilidades para preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social. A família, a comunidade, a sociedade e Poder Público devem assegurar-lhe o direito à vida, saúde, alimentação, educação, cultura, esporte, lazer, trabalho, cidadania, liberdade, dignidade, respeito e à convivência familiar e comunitária.

No caso da alimentação, se o idoso ou sua família não tiver condições econômicas de subsistência, cabe ao Poder Público esse provimento. Na saúde, o Sistema Único deve assegurar atenção integral, fornecer gratuitamente medicamentos, especialmente os de uso continuado, assim como outros recursos, como próteses. Os planos de saúde não poderão cobrar valores diferenciados em razão da idade e, nos casos de maus tratos, os profissionais da área deverão obrigatoriamente comunicar o fato às autoridades.

O idoso passou a ter direito à educação, cultura, esporte e lazer, espetáculo, produtos e serviços que respeitem sua peculiar condição de idade. Terá desconto de, no mínimo, 50% nos eventos desse tipo e acesso preferencial. No ensino formal serão inseridos conteúdos voltados ao processo de envelhecimento, de forma a eliminar preconceitos e produzir conhecimentos sobre a velhice na população jovem. No acesso à profissionalização e ao trabalho, o idoso tem respeitadas suas condições físicas, intelectuais e psíquicas, não poderá ser discriminado pela idade e, em caso de empate em concurso público, terá prioridade.

A partir de 65 anos de idade, para quem não possuir meios de subsistência, o Estado garantirá um salário mínimo mensal. No caso dos programas habitacionais públicos, o idoso terá prioridade na aquisição de imóvel para moradia própria. Os transportes coletivos públicos passam a ser gratuitos para pessoas maiores de 65 anos em todo o território nacional. Para as pessoas entre 60 e 65 anos, o Estatuto remete para a legislação local as decisões sobre a gratuidade nos meios de transportes. Serão, ainda, reservados 10% de assentos preferenciais para ele.

Outra inovação acontece com relação ao Judiciário. No caso, o Poder Público poderá criar varas especializadas e exclusivas aos idosos. Mas, a partir de 1º de janeiro de 2004, o idoso terá assegurada prioridade na tramitação de seus processos judiciais em qualquer instância. Essa prioridade se estende aos processos e procedimentos na administração pública, empresas prestadoras de serviços públicos e instituições financeiras.

O Estatuto do Idoso, a exemplo do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), veio para garantir, consolidar e ampliar direitos àqueles que dedicaram sua vida à construção do Brasil. Sei que ele por si só não resolverá os problemas de nossos idosos, até porque essa superação faz parte de um processo cultural onde os mais jovens devem olhar nossos idosos como companheiros experientes e sem qualquer tipo de preconceito. O próprio fato de a Câmara Federal aprová-lo, depois de nada menos do que cinco anos de tramitação, é um indício de que esse processo cultural está em andamento. Ele chega na hora em que o Brasil passa pela transição de um país de jovens para o de idosos.

*Emidio de Souza é deputado estadual (PT-Osasco) e primeiro-secretário da Mesa Diretora da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo

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