CRÔNICA DA REBELIÃO ANUNCIADA - OPINIÃO

Renato Simões*
16/03/2001 15:49

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A violenta e chocante rebelião dos adolescentes internos de uma das unidades da Febem de Franco da Rocha, na Grande São Paulo, acontecida no último dia 11, insere-se na cotidiana e desgastante rota de falência múltipla dos órgãos estaduais de atenção à criança e ao adolescente. Não pode, pois, ser entendida fora do contexto da absoluta falta de prioridade do governo Covas/Alckmin para esta área, cujo atestado de incompetência maior foi firmado no ano passado, com a entrada em funcionamento dessas duas unidades em Franco da Rocha e a reforma do antigo presídio de Parelheiros, na zona sul da capital, para internação de adolescentes em conflito com a lei.

A Febem está falida, é o que dizem todos os paulistas, o governo inclusive. No entanto, nenhuma atitude foi tomada até agora para substituí-a por um novo sistema de políticas públicas, sintonizadas com o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e das resoluções dos Conselhos Nacional (Conanda), Estadual (Condeca) e Municipais da Criança e do Adolescente. A ocorrência de 52 rebeliões em unidades da Febem apenas no ano 2000 e o agravamento das relações de violência entre os internos e funcionários e destes com familiares dos internos e defensores dos direitos humanos são apenas a ponta do iceberg em que se choca o Titanic do governo do Estado.

Em vida, Covas nunca soube o que fazer para mudar esse quadro. Admitiu a derrota de suas políticas para a Febem, trocou secretários e presidentes, investiu recursos sem diretrizes claras e assumiu a responsabilidade pessoal e de seu governo pela inviabilização da Fundação. Num gesto grandiloqüente, mandou demolir a unidade da Rodovia Imigrantes, palco, no final de 1999, de uma rebelião que colocou à mostra as vísceras da degradação interna da instituição. Anunciou um pacote de medidas, baseadas na idéia da descentralização e da construção de pequenas unidades de internação, atendendo a reclamos da sociedade civil.

No entanto, a falta de perspectivas desse governo gerou os monstros de Franco da Rocha e Parelheiros. Na verdade, o governo do Estado não eliminou o complexo da Imigrantes da Febem, apenas o transferiu para Franco da Rocha. Duas unidades, com capacidade para 960 adolescentes, construídas a toque de caixa com dispensa de licitação pela emergência da necessidade de vagas, ao preço absurdo de quase 14 milhões de reais. A empreiteira, carioca, gabava-se de ter construído o complexo de Bangu, de segurança máxima, e reproduziu em linhas gerais o modelo de presídio de adultos para uma unidade de internação de adolescentes infratores.

A desmoralização veio em pouco tempo, com fugas e rebeliões constantes colocando à prova não só a credibilidade da empresa paga mais que regiamente, em mais um episódio a ser esclarecido em nome da moralidade administrativa, como também do próprio governo do Estado. E não se diga que a administração estadual errou por falta de propostas da sociedade civil e da oposição. Nunca se produziram tantos documentos, das mais variadas origens, que convergem na necessidade de extinção da Febem, da valorização da prevenção à criminalidade juvenil com políticas sociais integradas no município, de prioridade às medidas executivas em meio aberto (como liberdade assistida, prestação de serviços à comunidade e semiliberdade, programas que têm mostrado índices promissores de ressocialização do adolescente infrator), de estímulo à construção de novas unidades regidas pelo ECA e pelas resoluções do Conanda. Na outra ponta da sociedade civil, o governo do Estado já gastou rios de dinheiro com consultorias variadas que concluem pelo mesmo caminho.

A continuidade dessa política, agora na gestão de Geraldo Alckmin, será a continuidade das rebeliões e do esgarçamento da Febem. A verdadeira crônica de novas rebeliões anunciadas.

*Renato Simões é deputado estadual (PT) e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de São Paulo.

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