A dupla ética petista

OPINIÃO - Vaz de Lima*
29/04/2004 14:07

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Swift conta, nas Viagens de Gulliver, um debate ocorrido entre os sábios de uma das nações visitadas pelo protagonista, acerca de novos tributos que poderiam ser criados. Um propõe que se cobrem taxas sobre os vícios, estabelecendo que os vizinhos definiriam as cotas que cada pessoa pagaria; outro propõe que o cidadão fosse taxado por suas qualidades e méritos, e a própria pessoa fixaria o valor a pagar.

Talvez seja da natureza humana julgar a si com toda a complacência possível e ao outro com toda a severidade. Contudo, ao menos no universo da política - onde deveria reinar absoluta a razão -, não é admissível que se julgue segundo as paixões partidárias e pessoais, ao invés de avaliar com dados e argumentos.

O presidente Lula pede aos outros uma paciência que nem ele nem seu partido jamais tiveram quando estavam na oposição. Uma simples comparação entre a fúria com a qual recebem as moderadas e ponderadas críticas feitas pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e por outros figuras públicas e as cobranças ferozes feitas por eles no período equivalente do governo do PSDB aponta toda a elasticidade ética com a qual o PT julga a si e aos outros.

Os marqueteiros do PT certamente fazem um negócio do século, já que, como a diz a expressão popular, compram o governo pelo que efetivamente vale e o vendem pelo que ele julgar valer. Contudo, a própria supremacia do marketing e os constantes apelos ao carisma presidencial demonstram tanto a falta de rumo como de autocrítica.

Como a situação do país não é a desejada, nem a prometida, tenta-se estabelecer um julgamento baseado na emoção ao invés de critérios objetivos. Postura idêntica, mas de sinal trocado, à adotada pelo PT após o primeiro ano de governo do PSDB, quando Lula ia aos jornais bradar que o governo deveria abrir linhas de crédito para os inadimplentes do comércio e dizia que o Comunidade Solidária tinha feito muito alarde mas gastava pouco.

Em alguns momentos, quando não é possível escamotear as críticas e o governo é pego com a boca na botija, o PT só tem como argumento a alegação de que todos que vieram antes fizeram o que eles estão fazendo. Dupla falsidade, primeiro porque escapa de demonstrar o que acusa os outros de fazer e segundo porque certamente o partido chegou ao poder prometendo ser diferente.

Durante toda a sua história, o PT chamou as alianças políticas de "barganha" e a participação dos partidos aliados no governo de "fisiologismo". É uma afronta à lógica quando chega ao poder e descaradamente "compra" o apoio de partidos e personalidades políticas - até há pouco duramente criticados pelos próprios petistas - não só com os cargos existentes, mas com diversos outros criados com a única finalidade de ser moeda de troca.

Mas nos últimos meses a duplicidade da ética petista está beirando os limites da esquizofrenia. Incapaz de assumir as responsabilidades do poder e o fardo das promessas não cumpridas - em especial as bravatas relativas à geração de empregos e desenvolvimento econômico -, o PT prepara-se para assumir uma dupla personalidade.

Uma parte do partido esforça-se para dizer que tudo está bem e que o governo é tão bom como os marqueteiros tentam provar que é. Outra continua fazendo as mesmas promessas não cumpridas na eleição anterior, dizendo que o programa partidário é ótimo e que o país só não se tornou maravilhoso de forma miraculosa porque houve um afastamento dos princípios partidários. Em comum os dois continuam usufruindo as benesses do poder e a força da máquina para tentar convencer o eleitor a comprar, em promoção, dois partidos em um.

*Vaz de Lima é líder da bancada do PSDB na Assembléia Legislativa e presidente da Comissão Parlamentar de Acompanhamento da Reforma Tributária, do Legislativo paulista.

alesp