EQUILÍBRIO FINANCEIRO DE QUEM? - OPINIÃO

Maria Lúcia Prandi*
24/10/2001 10:25

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No momento em que a atenção do mundo se concentra na intensificação dos

ataques norte-americanos ao Afeganistão e no temor do crescimento de

atentados com armas biológicas, a Câmara de Gestão da Crise de Energia

Elétrica reuniu-se, na calada da noite, em Brasília, e homologou um reajuste

extra de 6% nas contas de luz. Segundo o Palácio do Planalto, este novo

aumento será concedido para compensar os alegados prejuízos das empresas

energéticas com a queda no consumo de eletricidade causada pelo

racionamento.

A justificativa para mais este reajuste é a alegada necessidade de garantir

o equilíbrio financeiro destas empresas, que teria sido prejudicado pela

contenção no consumo. Contenção que foi imposta pelo Governo Federal sob a

ameaça de pesadas sobretaxas para quem não cumprisse as metas. Depois de dar

exemplo de cidadania e responsabilidade, economizando eletricidade até mesmo

acima da meta determinada e evitando o colapso do apagão no País,

consumidores residenciais e empresariais de todos os setores são premiados

com um novo aumento.

Baseado numa cláusula contratual que pode até ser classificada como leonina,

conforme prevê o Código de Defesa do Consumidor, já que é extremamente

favorável a apenas uma das partes, este reajuste extra garantirá o

equilíbrio financeiro de quem? Esta pergunta precisa ser respondida pelos

responsáveis pelo "ministério do apagão". Afinal, não foram poucos os

empresários e consumidores residenciais que acumularam perdas financeiras

com o plano de racionamento. Houve retração em vários setores da economia,

gerando contenção nos investimentos para expansão, queda no faturamento e o

fechamento de postos de trabalho.

Para se ter uma idéia do problema, uma fábrica de sorvetes instalada na

Baixada Santista, que já tinha comprado novos equipamentos para ampliar a

produção, foi obrigada a pisar no freio e adiar o crescimento. Com isso,

pelo menos dez empregos deixaram de ser criados. Mais do que isso, outros

dez funcionários foram demitidos, porque a empresa foi obrigada a trabalhar

sem estoque, passando a produzir apenas o suficiente para atender a demanda

diária. Só assim, foi possível desligar câmaras frigoríficas e cumprir a

meta. Nessa conta, a fábrica acumulou perdas, tendo que pagar as rescisões

contratuais e registrando um faturamento 20% menor que o previsto, já que

muitos estabelecimentos comerciais também desligaram os /I+/freezers/I-/ para

economizar eletricidade, conseqüentemente deixando de comprar e revender os

sorvetes.

/N+/De quem? Das empresas privilegiadas do setor energético/N-/

Apenas nesse pequeno exemplo de um microssetor da cadeia produtiva, podemos

observar o efeito cascata das perdas e do desequilíbrio financeiro. Sem

sorvetes para vender, os estabelecimentos comercias também sofreram perdas.

Com a demissão de trabalhadores, tivemos prejuízos sociais e desembolso de

recursos públicos para pagamento do Seguro Desemprego. Esta situação ganha

contornos ainda mais graves numa região, como a Baixada, onde os índices de

desemprego são três vezes maiores que a média nacional.

Diante desse pequeno retrato, que certamente exemplifica a situação de

outras áreas da economia, é que insisto na pergunta. Um novo reajuste nas

contas de luz vai garantir o equilíbrio financeiro de quem? Obviamente,

apenas de um grupo privilegiado de empresas que compõem o setor energético.

Não se pode negar que esta é uma área fundamental, prestadora de um serviço

essencial para o País. Mas nada justifica um tratamento tão diferenciado,

que privilegiará um seletíssimo grupo em detrimento de todo o restante da

população.

É preciso encontrar uma outra alternativa, que passa necessariamente por uma

redução nas margens de lucro das empresas energéticas. Por que

apenas elas ficarão fora dessa prática, que vem sendo adotada em todas

as demais ramificações da economia como forma de aumentar a capacidade de

competitividade? Afinal, enquanto outros setores da cadeia produtiva buscam

meios para não repassar ou para minimizar o impacto dos aumentos nos custos

operacionais sobre o preço final aos consumidores, as energéticas vêm tendo

um tratamento privilegiado. Logicamente, porque não temos a opção de comprar

luz de empresas diferentes. Na verdade, há um monopólio privado, e

excessivamente mercantilista, em cada cidade ou região.

/N+/Reajustes tarifários polpudos /N-/

Conseqüência direta de contratos de concessão feitos para atrair grupos

empresariais com a garantia de lucros certos, estas empresas foram

contempladas com polpudos reajustes tarifários nos últimos seis anos. De

acordo com levantamento feito pelo Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do

Consumidor) a partir de números da própria Aneel (Agência Nacional de

Energia Elétrica), entre janeiro de 95 e junho deste ano, acumula-se um

aumento médio de 99,9% na energia, enquanto que a inflação do período medida

pelo IBGE foi de 72,8%. Esta diferença sobe ainda mais quando comparamos o

índice de inflação apenas com os reajustes aplicados sobre as contas

residenciais, que foi de absurdos 129,9%.

Estes números demonstram claramente que estas empresas devem ter ''gordura''

em suas margens de lucro para queimar, cobrindo assim possíveis perdas

geradas pelo Plano de Racionamento. Não podemos aceitar que, mais uma vez, o

governo se submeta aos interesses específicos das energéticas, autorizando

mais um reajuste. É preciso resistir, buscando os caminhos legais para

impedir que a população seja mais uma vez punida com este novo aumento, que

contribuirá para o aprofundamento da inanição financeira da grande maioria

de nossa sociedade.

* Maria Lúcia Prandi é deputada estadual pelo PT e autora de representação ao

Ministério Público, pedindo investigação sobre as causas de sucessivos

apagões que atingiram a Baixada Santista no início deste ano.

alesp