No momento em que a atenção do mundo se concentra na intensificação dos ataques norte-americanos ao Afeganistão e no temor do crescimento de atentados com armas biológicas, a Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica reuniu-se, na calada da noite, em Brasília, e homologou um reajuste extra de 6% nas contas de luz. Segundo o Palácio do Planalto, este novo aumento será concedido para compensar os alegados prejuízos das empresas energéticas com a queda no consumo de eletricidade causada pelo racionamento. A justificativa para mais este reajuste é a alegada necessidade de garantir o equilíbrio financeiro destas empresas, que teria sido prejudicado pela contenção no consumo. Contenção que foi imposta pelo Governo Federal sob a ameaça de pesadas sobretaxas para quem não cumprisse as metas. Depois de dar exemplo de cidadania e responsabilidade, economizando eletricidade até mesmo acima da meta determinada e evitando o colapso do apagão no País, consumidores residenciais e empresariais de todos os setores são premiados com um novo aumento. Baseado numa cláusula contratual que pode até ser classificada como leonina, conforme prevê o Código de Defesa do Consumidor, já que é extremamente favorável a apenas uma das partes, este reajuste extra garantirá o equilíbrio financeiro de quem? Esta pergunta precisa ser respondida pelos responsáveis pelo "ministério do apagão". Afinal, não foram poucos os empresários e consumidores residenciais que acumularam perdas financeiras com o plano de racionamento. Houve retração em vários setores da economia, gerando contenção nos investimentos para expansão, queda no faturamento e o fechamento de postos de trabalho. Para se ter uma idéia do problema, uma fábrica de sorvetes instalada na Baixada Santista, que já tinha comprado novos equipamentos para ampliar a produção, foi obrigada a pisar no freio e adiar o crescimento. Com isso, pelo menos dez empregos deixaram de ser criados. Mais do que isso, outros dez funcionários foram demitidos, porque a empresa foi obrigada a trabalhar sem estoque, passando a produzir apenas o suficiente para atender a demanda diária. Só assim, foi possível desligar câmaras frigoríficas e cumprir a meta. Nessa conta, a fábrica acumulou perdas, tendo que pagar as rescisões contratuais e registrando um faturamento 20% menor que o previsto, já que muitos estabelecimentos comerciais também desligaram os /I+/freezers/I-/ para economizar eletricidade, conseqüentemente deixando de comprar e revender os sorvetes. /N+/De quem? Das empresas privilegiadas do setor energético/N-/Apenas nesse pequeno exemplo de um microssetor da cadeia produtiva, podemos observar o efeito cascata das perdas e do desequilíbrio financeiro. Sem sorvetes para vender, os estabelecimentos comercias também sofreram perdas. Com a demissão de trabalhadores, tivemos prejuízos sociais e desembolso de recursos públicos para pagamento do Seguro Desemprego. Esta situação ganha contornos ainda mais graves numa região, como a Baixada, onde os índices de desemprego são três vezes maiores que a média nacional. Diante desse pequeno retrato, que certamente exemplifica a situação de outras áreas da economia, é que insisto na pergunta. Um novo reajuste nas contas de luz vai garantir o equilíbrio financeiro de quem? Obviamente, apenas de um grupo privilegiado de empresas que compõem o setor energético. Não se pode negar que esta é uma área fundamental, prestadora de um serviço essencial para o País. Mas nada justifica um tratamento tão diferenciado, que privilegiará um seletíssimo grupo em detrimento de todo o restante da população. É preciso encontrar uma outra alternativa, que passa necessariamente por uma redução nas margens de lucro das empresas energéticas. Por que apenas elas ficarão fora dessa prática, que vem sendo adotada em todas as demais ramificações da economia como forma de aumentar a capacidade de competitividade? Afinal, enquanto outros setores da cadeia produtiva buscam meios para não repassar ou para minimizar o impacto dos aumentos nos custos operacionais sobre o preço final aos consumidores, as energéticas vêm tendo um tratamento privilegiado. Logicamente, porque não temos a opção de comprar luz de empresas diferentes. Na verdade, há um monopólio privado, e excessivamente mercantilista, em cada cidade ou região. /N+/Reajustes tarifários polpudos /N-/Conseqüência direta de contratos de concessão feitos para atrair grupos empresariais com a garantia de lucros certos, estas empresas foram contempladas com polpudos reajustes tarifários nos últimos seis anos. De acordo com levantamento feito pelo Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) a partir de números da própria Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), entre janeiro de 95 e junho deste ano, acumula-se um aumento médio de 99,9% na energia, enquanto que a inflação do período medida pelo IBGE foi de 72,8%. Esta diferença sobe ainda mais quando comparamos o índice de inflação apenas com os reajustes aplicados sobre as contas residenciais, que foi de absurdos 129,9%. Estes números demonstram claramente que estas empresas devem ter ''gordura'' em suas margens de lucro para queimar, cobrindo assim possíveis perdas geradas pelo Plano de Racionamento. Não podemos aceitar que, mais uma vez, o governo se submeta aos interesses específicos das energéticas, autorizando mais um reajuste. É preciso resistir, buscando os caminhos legais para impedir que a população seja mais uma vez punida com este novo aumento, que contribuirá para o aprofundamento da inanição financeira da grande maioria de nossa sociedade. * Maria Lúcia Prandi é deputada estadual pelo PT e autora de representação ao Ministério Público, pedindo investigação sobre as causas de sucessivos apagões que atingiram a Baixada Santista no início deste ano.