O DESMONTE DA POUPANÇA - OPINIÃO

Arnaldo Jardim*
15/04/2002 17:20

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Pouca transparência aliada com a fome de arrecadação do governo. Este binômio permeia a proposta de acabar com o atual sistema de caderneta de poupança e do Sistema Financeiro de Habitação que está sendo ensaiada pelo governo.

Seria salutar se as mudanças estivessem sendo discutidas de forma ampla, com o objetivo de fortalecer a construção de habitações no País, na medida em que o atual sistema tem problemas crônicos. Não parece o caso.

Os ideólogos do desmanche se esquecem do imenso poder de conscientização financeira da poupança popular para todos aqueles que não têm condições para incursões mais ousadas e remuneradoras no mercado financeiro.

O mais grave é que estas alterações na poupança - substituição da isenção de Imposto de Renda por taxação de 20% e início do desmonte do Sistema Financeiro da Habitação - podem ser realizadas sem antes criar um sistema de captação e poupança para os investimentos e investidores de baixa renda. Isto, se tomarmos por base a opção para o incremento do setor de Fundos, defendida pelo presidente do Banco Central, Armínio Fraga.

A verdade é que o Brasil criou nas últimas décadas uma série de meios (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo - SBPE e poupança rural) que permitiram levar a poupança a todos os cantos do País. Foi proporcionado um acesso simples e transparente de uma aplicação financeira a uma vasta parcela da população, justamente aquela com menores condições de acompanhar aplicações mais complexas.

Com R$ 1,8 bilhões aplicados em unidades habitacionais, grande parte da nossa população usa o SBPE e hoje existem em todo o país 48 milhões de poupadores, com 120 milhões de contas ativas, com movimento estimado em R$ 118 bilhões em recursos aplicados neste sistema.

As distorções ocorridas quanto a aplicação dos recursos da poupança são de diversas ordens. Com 2,35 milhões de contratos, o SFH amarga um alto índice de inadimplência, decorrência dos vários planos econômicos já editados e da queda de renda do cidadão, que apenas em 2001 chegou a 4%. No entanto, os eventuais reajustes destinados a correção da aplicação dos recursos provenientes da poupança devem ser realizados sem que se obstrua a única fonte de aplicação financeira para o cidadão comum. Esta aplicação abrange tanto o seringueiro da Amazônia quanto um funcionário de uma indústria do ABC ou um estagiário ou mesmo um aposentado.

Estas mudança ensaiadas pelo governo têm o cheiro de aplicações realizadas por complexas fórmulas e sofisticadas nomenclaturas. Tudo sob o signo do mercado e da modernidade, mas embutindo um enorme risco para os cidadãos menos preparados para entender as sutilezas e sofisticações da área financeira.

Entendo que antes de se pregar a morte da poupança, faz-se necessário criar soluções para o Sistema Financeiro da Habitação, para que se tenha continuidade na aplicação da poupança popular. É bom avivar a memória de todos quanto à necessidade da existência de poupança popular, principalmente quando se defende uma nação socialmente justa. Este é o meio mais seguro para garantir a todos uma recuperação das perdas financeiras e proteger o dinheiro da inflação, por meio de um sistema simples, acessível e confiável.

Ao invés de olhar com cobiça para os 20% de imposto de renda das cadernetas de poupança o governo deveria olhar com preocupação para o déficit habitacional do Brasil, que está entre 5 e 6 milhões de unidades. Ajuste fiscal não dá teto, emprego e comida para ninguém. Apenas alimenta a ilusão de uma administração pública fundada no fluxo de caixa e no ajuste financeiro, estéril e sem sustentabilidade.

*Arnaldo Jardim é deputado estadual, engenheiro civil, foi Secretário da Habitação (1993) e Coordenador da Frente Parlamentar pela Habitação. É presidente estadual do PPS.

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