AVESTRUZES - OPINIÃO

Vitor Sapienza*
04/05/2001 15:44

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Uma tarde dessas, na marginal do Rio Pinheiros, uma intensa correria assustou os motoristas que passavam nas imediações do Cebolão, complexo viário que liga as marginais à rodovia Castelo Branco. Depois de confundir com simples pedestres os fugitivos que, em bando, saíam da cadeia ali existente, os motoristas ficaram à mercê de perigosos bandidos que estavam sendo resgatados por seus cúmplices.

Na fuga, carros foram roubados, vidas ameaçadas e, mais uma vez, a população ficou à mercê de nossa falta de segurança. E mais de uma centena de bandidos estão à solta, agravando ainda mais a nossa situação. Muito se tem falado sobre penas alternativas, trabalhos forçados, programa de recuperação de presos, pena de morte, prisão perpétua e outros exageros, principalmente em períodos eleitorais.

Nunca a polícia prendeu como hoje e nunca os presídios e distritos policiais estiveram tão lotados. E nunca tivemos tanta insegurança. E surgem as dúvidas: onde está o erro? Ele estaria em mantermos tantos presos em condições subumanas, o que geraria a revolta? Na superlotação dos presídios? Na ociosidade do preso que, estando sob proteção da Justiça não se vê obrigado a trabalhar? Na falta de opções e de reintegração do ex-detento? Na nossa desorganização social? Na má distribuição de renda? No desemprego? Na falta de perspectivas para os jovens? No analfabetismo? Na ignorância? Na inversão de valores? Nos meios de comunicação que estariam incentivando a violência? Na paternidade irresponsável? Na sociedade que vira as costas aos mais necessitados? Na omissão das autoridades? Na desinformação? Na falta de um controle de natalidade? Na paternidade irresponsável? Na falta de investimentos na educação?

Como se vê, o assunto é farto e as interrogações, muitas. Qualquer que seja a resposta correta, ela passará, seguramente, pela participação de nossa sociedade. Não dá mais para esperar que tudo seja decidido e feito somente com a participação do governo. Virar as costas para a criança que pede, para o jovem sem perspectivas, para o adulto sem emprego é imitar avestruzes. É colocar a cabeça em um pequeno buraco e pensar que estamos fora do problema, que não estamos sendo vistos.

Ao empresário que se esconde por trás de seguranças ou aquele que, do alto do edifício sofisticado, finge estar alheio ao problema, à dura realidade. A insegurança já não tem fronteiras e os marginais estão mais cruéis e criativos. Conscientes da impunidade ou de certeza de que serão libertados mais cedo ou mais tarde, eles não hesitam em colocar em cheque os mais sofisticados sistemas de segurança. O assalto a banco está deixando de ser solução para eles. O tráfico de drogas se expande e o seqüestro e o roubo à mão armada são, para eles, a maneira mais rápida de conseguir os seus objetivos.

A imposição de normas mais rígidas quanto ao porte de armas ainda não surtiu o efeito desejado. O telefone da polícia, sugerindo que denunciemos os marginais, funciona abaixo do esperado. O que se vê, na verdade, é a omissão da sociedade. E o motivo é simples, o medo de desaparecer o anonimato do denunciante. Principalmente na abandonada periferia, o que se ouve é que, depois que a polícia vai embora, vira "terra de ninguém". E, assim, o jeito é promover a convivência pacífica. O marginal finge que é amigo da comunidade e esta finge que é bem tratada por ele. Até quando, por algum ato impensado, a "cobra dá o bote" e o marginal mostra quem é.

Com a alta sociedade e com a classe média não é diferente. Elas viram as costas para o problema e, quando são vítimas, quando viram manchete, entendem o que a periferia sente, todos os dias. A diferença é que a alta sociedade se esconde por trás de blindagens, seguranças, vigilância eletrônica; já a periferia prefere a convivência pacífica. Como se vê, o buraco é mais embaixo. E, por falar em buracos, enfiamos a cabeça neles e, como avestruzes, ficamos seguros até que a nossa ingenuidade nos mantenha vivos.

*Vitor Sapienza é deputado estadual pelo PPS.

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