Direitos humanos não alcançam quilombolas e presos políticos


26/06/2003 22:30

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DA REDAÇÃO

Com a presença de diversas entidades ligadas ao assunto, a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa, presidida pelo deputado Renato Simões (PT), realizou nesta quinta-feira, 26/6, audiência pública que teve por tema o "Dia Internacional da ONU de Apoio às Vítimas de Tortura".

Após compor a Mesa dos Trabalhos, o presidente da comissão informou ter recebido denúncias de violação de direitos dos quilombolas que vivem há cerca de 150 anos no Quilombo de Porto Velho, no município de Iporanga, no Vale do Paraíba, convidando D. José Luiz Bertanha, bispo da Diocese de Registro, a dar seu testemunho sobre os incidentes.

Segundo o religioso, descendentes dos fundadores do quilombo foram impedidos de retornar ao local pelo fazendeiro Benedito Barbosa que, alegando ter a posse da terra, cercou-a, impedindo o acesso. Argumentando que tal atitude fere o artigo 68 da Constituição Federal, que garante a posse da área de quilombo aos descendentes e familiares dos quilombolas originais, D. José informou que a questão está hoje tramitando na Justiça.

Destruição da Capela

Prosseguindo em sua denúncia, D. José Luiz abordou o caso da destruição da capela existente na localidade, em ataque feito, segundo relatos, pela filha e pelo genro do fazendeiro Barbosa.

Avaliando a questão sob o ponto de vista jurídico, a Irmã Sueli, que é também advogada e acompanhava, na ocasião, o bispo de Registro, ressaltou as dificuldades da comunidade local com tais trâmites, chamando a atenção para o fato de que os descendentes dos quilombolas não chegaram a entrar com ação na Justiça pela posse por usucapião, o que, ao contrário, foi feito pelo fazendeiro. Indagada pelo deputado Caruso sobre haver ou não inquérito ou outra medida oficial sobre o caso, Irmã Sueli respondeu que, acionada por membros da comunidade, a polícia só compareceu ao local no último incidente - a derrubada da capela -, encaminhando as partes à delegacia do vizinho município de Itaoca, para simples registro da ocorrência.

A respeito do assunto, o presidente Simões lembrou que, em ocasiões como esta, a Casa pode oficiar aos órgãos competentes, como o Ministério Público Estadual (MPE) e a Secretaria da Segurança Pública (SSP), pedindo providências. Sugeriu, ainda, que se ofíciasse à Defensoria Pública do Estado e à Secretaria da Justiça para que seja agilizada a apuração dos fatos. Afirmou, também, que vai estar no município de Registro em 12/7, quando vai procurar se inteirar melhor do caso.

Tortura

Outro assunto que dominou a reunião foi o relato feito por familiares de presos e de internos da Febem sobre a prática de tortura nas unidades prisionais do Estado e nas dependências daquela fundação. Diversos parentes de vítimas denunciaram torturas, lesões corporais graves e até morte de familiares presos ou internos, perpetradas por agentes públicos responsáveis por sua guarda e segurança.

Várias foram as denuncias contra a Febem, apontando tortura, incitação a rebeliões, descaso, falta de higiene. Dentre elas, chamou a atenção a do pai de um interno, Elton Rodrigues que, durante uma visita dominical ao filho, encontrou, segundo ele, filas enormes na portaria da instituição e enfrentou horas de espera. Desanimado com o que chamou de descaso e desrespeito, estava para desistir, quando foi autorizado a entrar. Ao encontrar-se com o filho, não o reconheceu, dada a gravidade dos ferimentos sofridos pelo jovem durante sessão de espancamento, afirmou.

Entidades

Reclamando da omissão e do descaso das autoridades e profissionais envolvidos com a questão, a presidente da Associação de Mães da Febem (AMAR) afirmou que a entidade recebe semanalmente de 10 a 15 denúncias de tortura praticadas nas unidades da fundação. Aproveitando a Audiência Pública, reiterou apelo à autoridades para que tomem providências para a apuração e solução dos casos.

Entendendo que os casos atuais de tortura são apenas desdobramentos de uma antiga cultura existente no aparelho estatal que remonta ao regime militar, a representante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, a ex-presa política Maria Amélia de Almeida Telles, destacou a nomeação para importante cargo na SSP do delegado de polícia Aparecido Laertes Calandra, que ela afirmou ser o "Capitão Ubirajara", temido torturador dos anos 70.

Por sua vez, comentando manifesto distribuído no plenário do evento pelo grupo Tortura Nunca Mais, o representante da agremiação, Carlos Alberto Pereira, destacou o alto grau de covardia e degradação envolvido a prática da tortura pelos órgãos de repressão do regime militar. Na mesma linha, Francisco de Oliveira Prado, do Fórum Permanente de ex-Presos e Perseguidos Políticos, avaliou a situação, reportando as várias vezes em que foi preso por questões políticas, sofrendo toda sorte de maus-tratos.

A tortura foi, ainda, alvo de repúdio da coordenadora da ACAT-Brasil, Isabel Peres, que, em seguida, leu lista de 13 reivindicações da entidade para a melhoria das condições prisionais e o fim da impunidade de torturadores.

Ministério Público

Ao final da reunião, Carlos Cardoso, assessor do Procurador Geral de Justiça, Luiz Antônio Guimarães Marrey, referiu-se às providências que vêm sendo adotadas pelo MPE para dar conta dos casos de maus-tratos e desrespeito a presos e internos no Estado de São Paulo. Como medidas, destacou a existência de 250 inquéritos abertos contra policiais civis e militares, delegados de polícia, agentes penitenciários, entre outros, referentes à pratica de tortura. Além disso, vários integrantes dessas categorias já foram condenados, demitidos e presos, enquanto diversos processos estão em andamento. Por fim, Cardoso solicitou da Comissão cópias das denúncias, para apuração do MPE.

Estiveram presentes também à Audiência Pública os deputados Ítalo Cardoso e Maria Lúcia Prandi, ambos do PT, Rosmary Correa (PSDB), Havanir Nimtz (Prona) e Afonso Lobato (PV), todos membros da Comissão de Direitos Humanos. Prestigiaram o evento, ainda, o líder da bancada do PT, Antonio Mentor, e o deputado Bispo Gê, além do assessor de imprensa da Secretaria da Educação, Carlos Magagnini.

alesp