Opinião - Uma questão de prioridades e princípios


07/12/2010 16:07

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Em todo o Brasil, 3,4 milhões jovens participaram do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) que ocorreu no mês passado. O Enem serve como vestibular para algumas universidades e é importante para verificar a qualidade do ensino em todo o país. Todo o ano é a mesma história, estudantes que chegaram atrasados aos locais da prova choram, pedem para entrar e continuam reclamando da falta de sorte dias e até meses após o exame. E isso não ocorre apenas no Enem, mas também nos vestibulares de todo o país ou até mesmo no Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes) que avalia os cursos de graduação. Lá fora, alunos esmurram os portões e gritam dizendo que querem entrar, frases como "estudei tanto e perdi tudo por causa de um minuto" ou "o problema é o trânsito" são muitos comuns.

Neste ano a abstenção no primeiro dia de provas do Enem chegou a 27%, inferior ao ano passado em que o números de faltosos foi de 37,7%. Já nos vestibulares, o exame da primeira fase da Unicamp registrou 6,86% faltas e a Fuvest 7,79%, ambos superiores a 2010. Esses parecem dados nada importantes, mas é a partir desses números que podemos avaliar o grau de importância dos estudos na vida desses estudantes. Infelizmente, alguns desses jovens preferem dormir dias em frente à bilheteria de uma casa de shows para comprar o sonhado ingresso, semelhante ao que ocorreu em 2008, quando mais de 500 fãs da cantora norte-americana Madonna acamparam nos arredores de uma casa de shows em São Paulo, e isso se repetiu nesse ano em shows internacionais como os do Guns N" Roses, Aerosmith e Paul McCartney.

Setenta e duas horas antes da abertura dos portões para o primeiro show de Paul McCartney em São Paulo um grupo de cerca de oito jovens já acampava em frente ao portão 18 do estádio do Morumbi. Eram jovens de 18 a 21 anos, que dormiam apertados em barracas. Em entrevista a Folha de S.Paulo um deles disse que o evento atrapalhou os vestibulares que prestaria para química. Mas porque estes estudantes se antecipam para eventos desse tipo, mas se atrasam para um passo importante em suas vidas?

Desde cedo esses jovens aprendem a idolatrar personagens vendidos pelas tevês de todo o mundo, muitos passam a viver em um mundo paralelo, deixando até mesmo de ir às aulas para comparecer a um evento do artista preferido. Claro que é fundamental que esses jovens e crianças tenham momentos de lazer, mas não podemos esquecer que essa é uma fase passageira e que será essencial na vida adulta dessas pessoas. Os estudantes têm de aprender a ter responsabilidades, mesmo que isso signifique sair de casa muito mais cedo para não chegar atrasado. Pior ainda é saber que muitos deles se atrasam em provas que ocorrem só uma vez ao ano como é o caso do Enem ou dos vestibulares. A responsabilidade é o mínimo que se pode exigir de um jovem que se diz independente e maduro.

Em São Paulo, por causa dos problemas na prova do Enem e após um movimento que surgiu em uma comunidade do Orkut, estudantes do ensino médio, indignados, se reuniram para chamar a atenção do governo. O exame realmente teve alguns problemas, além da ordem das perguntas não coincidir com os espaços na folha de resposta, houve repetição ou ausência de questões em parte das provas aplicadas. O Inep (instituto do MEC que aplica o exame) reconheceu que parte das provas amarelas tinha duas páginas com as mesmas perguntas e foi marcada nova data para quem foi afetado pelo erro. A ideia dos estudantes de chamar a atenção do governo é muito importante para o desenvolvimento do país, mas neste caso eles queriam chamar atenção para quê? Não que não seja importante o fato de que o Enem trouxe dor de cabeça para muitos estudantes, mas eles têm que entender que existem situações bem mais preocupantes que precisam ser encaradas e combatidas, principalmente na educação brasileira.

Recente pesquisa mostra que a proporção de diretores ou supervisores não efetivos cresce há dois anos. A proporção de professores temporários ainda é grande. Além disso, o país tem um grande desafio pela frente e que precisa do apoio e participação de todos, além de reduzir o percentual de brasileiros que não sabem ler e escrever (10%), o país precisa combater o chamado analfabetismo funcional, que atinge 25% da população com mais de 15 anos, de acordo com a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) o chamado analfabeto funcional é o indivíduo com menos de quatro anos de estudo completos; em geral é a pessoa que lê e escreve frases simples, mas não é capaz de interpretar textos e colocar ideias no papel.

Infelizmente, a educação não tem sido prioridade em nosso país, tenho esperanças que esse novo governo traga uma renovação educacional, mas antes disso é importante que todos entendam que para que o nosso país cresça é importante mudarmos, investindo mais tempo na leitura e reflexão, além de incentivar nossos jovens a participarem de maneira mais efetiva em suas escolas, porque como disse o educador e filósofo Paulo Freire (1921 - 1997) "se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda". A educação transformadora ao qual Freire se refere não se restringe a sala de aula, mas sim a uma educação cultural construída e cultivada por toda uma sociedade. Acordem estudantes! Mudem suas prioridades e passem a levar a vida e os estudos com mais seriedade.



*Gilmaci Santos é deputado estadual pelo PRB e presidente estadual do partido. Participa das comissões de Defesa dos Direitos do Consumidor e de Economia e Planejamento da Assembleia.

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