MUITO ALÉM DOS CANAVIAIS - OPINIÃO

Arnaldo Jardim*
17/10/2000 16:22

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Recentemente recebi, em Ribeirão Preto, o prêmio na categoria "Personalidade do Ano", do JornalCana, veículo especializado no setor de cana, açúcar e álcool. Trata-se de uma premiação que me encheu de orgulho e que sela uma relação antiga que tenho com a cana-de-açúcar.

Apesar de muita gente não saber, vem de longa data a minha convicção de que a agroindústria da cana-de-açúcar tem um papel estratégico no desenvolvimento do País e na sua afirmação como nação desenvolvida.

Na minha infância e adolescência, entre Ituverava, Altinópolis e Ribeirão Preto vivenciei a transformação do ciclo do café para a cana, com todas os benefícios e contradições embutidos no processo. Nos meus tempos de estudante de engenharia na Politécnica da USP, acompanhei o surgimento do programa do álcool e do carro a álcool, num desafio tecnológico ímpar assumido e vencido pela engenharia brasileira. No início da minha vida pública, na Secretaria do Interior do Governo Montoro acompanhei de perto as diversas realidades existentes em cada uma das regiões do nosso Estado e pude entender o que significa desenvolvimento sustentável e a importância do emprego, da renda e do fortalecimento da atividade agro-industrial, agregando valor aos produtos agrícolas. Como deputado, mantive sempre um contato estreito com especialistas em meio ambiente e energia, trabalhadores, empresários, agricultores, prefeitos, vereadores e lideranças comunitárias para me inteirar e acompanhar de forma pró-ativa o desenvolvimento desse setor que representa 40% da renda rural do Estado, emprega 600 mil trabalhadores e é responsável pelo seqüestro de milhões e milhões de toneladas de gases que provocam o efeito estufa.

Desse acompanhamento surgiu minha proposta, transformada em lei, sobre o uso racional do fogo em atividades agrícolas e pastoris que tem a virtude de preservar o meio ambiente e, ao mesmo tempo, garantir um processo gradativo de substituição de mão de obra, evitando o colapso de emprego no campo, justamente num setor da atividade econômica que absorve intensivamente mão-de-obra não qualificada. Dessa interação com a atividade, surgiu também um projeto de lei que está tramitando na Assembléia Legislativa, alterando o ICMS do álcool, como forma de combater a sonegação fiscal e diminuir as brechas para as fraudes no mercado de combustíveis, já fartamente denunciadas pela mídia.

Tenho um carinho especial pela agroindústria canavieira, num envolvimento que longe de ser corporativo ou em defesa de interesses particulares, é ideológico e centrado na convicção de que a verdadeira vocação econômica do Brasil é agrícola e agro-industrial. É daí que saltaremos para o primeiro mundo e passaremos a dar as cartas. No caso particular da agroindústria canavieira temos o exemplo acabado de uma matéria-prima com uma flexibilidade fantástica e que tem tudo para ser o nosso petróleo verde. Essa gramínea tão especial produz: alimento, por meio do açúcar; combustível, com o álcool; energia elétrica, com o bagaço de cana; fertilizantes e ração animal, da vinhaça e do bagaço, podendo produzir ainda tantas outras coisas como plástico biodegradável, blocos para a construção, remédios e uma gama infindável de produtos químicos derivados do álcool. O balanço energético da atividade é altamente favorável, sendo que a capacidade que essa agroindústria tem para o seqüestro de gases que provocam o efeito estufa nos credencia como grandes candidatos a captar muitos recursos no chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, previsto no Protocolo de Kioto e prestes a ser implementado, num assunto que nas próximas semanas deverá ganhar as páginas dos jornais com a realização da Reunião de Haia, na Holanda.

A atual crise do petróleo só enfatiza a importância do Brasil tratar com carinho a cana e seus derivados. Afinal, a nova matriz energética do próximo século tem tudo para ser baseada em produtos renováveis, originados da biomassa. Isso porque esse produtos atendem requisitos fundamentais do desenvolvimento sustentável como a criação de emprego, a descentralização do desenvolvimento e a contribuição para a redução da poluição local e global.

Arnaldo Jardim é engenheiro civil, deputado estadual, presidente estadual do PPS, e relator-geral do Fórum São Paulo Século XXI. Foi secretário estadual da Habitação (1993).

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