Opinião - Aposentadoria das policiais femininas: inconstitucionalidade por omissão


13/09/2011 14:33

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O princípio da igualdade, também chamado de isonomia, é o mais importante de nossa Carta Magna, e representa pedra angular do Estado Democrático de Direito, perfil político-constitucional adotado pela República Federativa do Brasil (CF, art. 1º, caput). Reforçando esse entendimento, o art. 3º, IV, do Texto Constitucional afirma ser objetivo fundamental do Estado brasileiro "promover o bem de todos sem preconceito de origem, raça, sexo..." Pela mesma razão, o racismo constitui um dos dois únicos delitos que jamais prescrevem (CF, art. 5º, XLII).



Previsto na Constituição Federal, no art. 5º, logo em seu primeiro inciso, estatui que "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição". O Texto é claro: homens e mulheres recebem tratamento igualitário, nos termos delineados e propostos pela própria Constituição.



Para assegurar tratamento igualitário, não pode a lei conferir a homens e mulheres idêntico regramento, já que estas se encontram em situação de notória desvantagem. Dar a ambos o mesmo tratamento, sem eliminar tal desvantagem, é tratá-los com desigualdade, violando o princípio constitucional sensível da isonomia. O princípio da igualdade requer tratamento igual aos que se encontram na mesma situação, e desigual aos que não se encontram, até o limite de suas desigualdades. Um exemplo claro é o de os homens não fazerem jus à licença maternidade (CF, art. 7º, XVIII); outro, o das mulheres terem direito a incentivos para a proteção do mercado de trabalho (CF, art. 5º, XX).



Qualquer estudante de direito sabe disso. A Constituição, por óbvio, também.



Por essa razão, no que diz respeito ao regime geral da previdência, em cumprimento ao princípio da isonomia, a CF estabelece diferenciação entre homens e mulheres.



Assim, é que dispõe seu art. 40, § 1º, III, a, que os servidores públicos serão aposentados pelo regime geral da previdência: se homens, aos 60 anos de idade e 35 de contribuição; se mulheres, aos 55 anos de idade e 30 de contribuição. Nota-se, claramente, a diferenciação que se faz entre prazo e limite de idade entre homens e mulheres. Sim, na medida em que a situação não é a mesma, a desvantagem das mulheres precisa ser compensada de algum modo.



Nessa mesma linha, o referido art. 40, agora em seu § 4º, II, prevê a adoção de critérios diferenciados, mediante lei complementar, nos casos de servidores que exerçam atividades de risco. Vejamos a redação: "É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo,...". Esta é a regra. Servidores em situação equivalente recebem tratamento igualitário. Na seqüência, o dispositivo prossegue, estabelecendo a exceção, em cumprimento ao princípio da isonomia: "...ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores: II " que exerçam atividade de risco".



Em simetria com a Carta Magna, a Constituição do Estado de São Paulo, em seu art. 126, § 4, n. 2, referindo-se aos servidores civis, trata também do direito à concessão de aposentadoria especial, mediante lei complementar para os servidores que exerçam atividades de risco. O art. 138 da Constituição paulista, por sua vez, em seus §§ 1º e 2º, remete os servidores militares ao mencionado art. 126.



Em suma: Todos os servidores, civis ou militares, que desempenhem atividades de risco têm direito a critérios diferenciados para sua aposentadoria, na forma propugnada em lei complementar estadual.



A CF é clara: o Estado de São Paulo tem o dever constitucional de editar uma lei complementar, em obediência ao princípio da isonomia, estabelecendo diferenciação para os servidores que exercem atividade de risco, em relação aos demais, no que diz respeito à idade e tempo de serviço para aposentadoria.



Mais: dentro dessa categoria de servidores, deve ainda ser feita a distinção entre homens e mulheres.



No caso da Polícia Militar de São Paulo, até hoje não foi editada a tal lei complementar estabelecendo tais diferenças entre servidores policiais militares e os servidores que não exercem atividade de risco. Até hoje, está em vigor uma vetusta legislação da época do período de exceção, qual seja, um instrumento normativo autoritário consistente no Decreto-lei 260, de 29 de maio de 1970, cujo art. 17, prevê para oficiais e praças, a aposentadoria após trinta anos de serviço, sem distinguir homens e mulheres.



Para a Polícia Civil, aplica-se a recente Lei complementar estadual n. 1.062, de 13 de novembro de 2008, cujo art. 2º, prevê cinqüenta e cinco anos de idade, para homem e cinqüenta para mulher, e trinta anos de efetivo serviço, sem distinção de sexo. O requisito da idade não vale para quem ingressou na carreira antes da Emenda Constitucional n. 41, de 19 de dezembro de 2003.



Como se nota, nem a ultrapassada legislação militar, nem a mais recente lei da Polícia Civil fazem qualquer distinção entre o tempo de serviço para homens e mulheres.



Ambas, desprezam a condição de maior ônus e fragilidade social da mulher e, ao fazerem diferenciação para as atividades de risco, em que se consubstanciam, o policiamento civil e militar, aplicam um redutor de 05 anos para os servidores homens. Assim, no caso dos homens, funcionários públicos em geral se aposentam após 35 anos de contribuição, ao passo que os da polícia civil e militar, após 30 anos; no caso das mulheres, em geral após 30 anos de contribuição, mas no caso das policiais civis e militares OS MESMOS 30 anos, SEM QUALQUER REDUTOR.



A inconstitucionalidade por omissão é tão patente que precisa ser corrigida urgentemente, antes que uma carreada de mandados de injunção chegue com essa tese ao STF.



Em decisões recentes, o STF, por muito pouco não declarou o Estado de São Paulo em mora legislativa e por muito pouco não impôs como prazo para a aposentadoria de todos os policiais de SP, os 25 anos do art. 57 da Lei federal n. 8.231/91. Nesse sentido: MI 895, de 14 de dezembro de 2009, relator Min. Ricardo Lewandowski; MI 2.696, de 19 de abril de 2010, relatora Min. Carmem Lúcia; e MI 1993/DF, de 20 de agosto de 2010, relator Min. Gilmar Mendes. São Paulo foi salvo pelo Decreto-lei de 1970 e pela omissa Lei complementar n. 1.062/2008.



Ocorre que esta tese não chegou a ser apreciada.



Corrigimos isso agora, com a votação dos PLCs 47, 48 e 49/2011, que aguardam votação na Assembléia Legislativa paulista, ou mais uma vez vamos perder o bonde da história? Ou saberemos nos impor como Poder Legislativo nessa questão, tal como fizeram os Estados do Rio Grande do Sul (LC n. 10.990/1997), Rondônia (Dec-lei 09-A/82) e Minas Gerais (LC 109/2009), que já asseguram às policiais femininas o direito constitucional ao redutor de 05 anos e aposentadoria após os 25 anos?



Com a palavra, a ALESP.



*Fernando Capez é Procurador de Justiça licenciado e Deputado Estadual. Presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (2007-2010). Mestre em Direito pela USP e Doutor pela PUC/SP. Professor da Escola Superior do Ministério Público e de Cursos Preparatórios para Carreiras Jurídicas. Autor de obras jurídicas. www.fernandocapez.com.br

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