MUITO ALÉM DO MERCADO - OPINIÃO

Arnaldo Jardim
24/10/2001 19:00

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Muito além do mercado

A Assembléia Legislativa de São Paulo estuda o processo de criação de uma agência estadual de transportes. A proposta original do executivo paulista praticamente criava uma autarquia centrada no transporte rodoviário e vem sendo lapidada pelo legislativa paulista. Particularmente, trabalhei num substitutivo apresentado pelo meu partido, o PPS, criando uma verdadeira agência de regulação para todas as modalidades de transporte, que seja capaz de, entre outras coisas, acompanhar a definição de tarifas de pedágios, a execução do cronograma de obras e o grau de satisfação dos usuários.

Aproveito esse fato para refletir um pouco sobre as modificações nas relações entre os diversos agentes públicos e privados no Brasil.

Valendo-se de um sentimento popular verdadeiro diante do patrimonialismo e da ineficiência do modelo então vigente, o Brasil pegou carona na onda globalizante que tomou conta do mundo e deu início em 1990 à uma reforma de Estado.

Esse processo iniciado em 1990 foi deflagrado sem nenhum planejamento e baseou-se na crença suprema da capacidade do mercado em dar soluções a eventuais problemas. Para a coisa não ficar a "Deus dará" foram criadas, a toque de caixa, as chamadas agências de regulação para controlar e fiscalizar os serviços públicos concedidos e/ou privatizados.

A pressa e o excesso de pragmatismo envolvido na concepção destas agências resultaram numa série de ineficiências e incapacidades para o exercício correto do papel a elas reservado.

Não se pode, no entanto, deixar que eventuais falhas invalidem a sua importância nesse modelo ainda inacabado de reforma do Estado, iniciado com um desmanche e que aos poucos precisa ser construído.

Não se pode, por exemplo, permitir críticas infundadas como as que imputam à Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) responsabilidades pela crise energética. Não cabe à Agência Reguladora, prioritariamente, planejar e formular políticas. Suas tarefas básicas são a de fiscalização e controle da qualidade, adequação tarifária e universalização dos serviços prestados nas mais diversas áreas. Cabe ao estado a formulação de políticas públicas e de metas a serem alcançadas.

A indiferença do governo nos faz crer num interesse mal dissimulado na manutenção da confusão em relação ao papel das Agências. Na verdade o governo as usa como escudo para proteger da sua própria inépcia.

Isso é grave. Corremos o risco de desmoralizar o remédio e comprometer a correção das graves distorções de um processo absolutamente desamarrado de transferência de responsabilidades para o setor privado.

O bom funcionamento das agências reguladoras é indispensável para a existência de um estado saudável, com economia livre e estabilizada. Para fortalece-las é preciso dota-las de capacidade técnica e instrumentos jurídicos eficazes que lhes permita uma musculatura capaz de evitar a cooptação dos seus quadros e desmoralização de sua ações no embate cotidiano com agentes privados fortes e estruturados. Nessa mesma linha é preciso aproxima-las da sociedade civil de forma a institucionalizar uma representação não corporativa e representativa do seu conjunto.

Não é de hoje que esse tema tem feito parte da minha rotina parlamentar. Já participei de diversos congressos e seminários a respeito. Recentemente participei do II Congresso Brasileiro de Regulação de Serviços Públicos Concedidos, ao lado de especialistas o professor Carlos Ari Stunfeld, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, do ex-diretor geral da ANP, Davi Zylberstajn e do doutor em economia, Gesner de Oliveira, ex-presidente do Cade. Na oportunidade apresentei um estudo formulado em parceira com o pesquisador da Escola Politécnica da USP, Fernando Amaral de Almeida Prado abordando diversas preocupações em relação ao sistema regulatório brasileiro.

Entendo que o Estado brasileiro mudou mas ainda não assumiu o seu novo papel. Temos o desafio de construir um Estado regulador, com o foco no cidadão e, para tanto, necessitamos aperfeiçoar as agências de regulação como instrumentos indispensáveis para a existência de um sistema de concessão de serviços públicos eficaz, no qual concessionários e usuários tenham uma relação estável e equilibrada.

ARNALDO JARDIM

Deputado Estadual - Engenheiro Civil, 46

Secretário da Habitação (1993) - Presidente Estadual do PPS

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