Reprimir e não proibir o porte de arma - OPINIÃO

Romeu Tuma*
22/07/2003 16:16

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Sempre que a sociedade discute a proibição do porte de armas, ocorre uma série de desinformações. Em 1997, por exemplo, quando a mídia divulgou com grande estardalhaço notícias sobre a mudança da legislação, diversas conseqüências do fato foram distorcidas. Falou-se demais sobre a prisão de quem fosse surpreendido com arma de fogo sem autorização, o conhecido "porte". Lamentavelmente, a realidade é outra.

De fato, a pessoa até é autuada em flagrante, mas se não tiver condenação nos crimes descritos na lei como homicídio, tráfico de substância entorpecente e outros, pagará uma fiança de aproximadamente R$ 200 e responderá ao processo em liberdade. O cidadão comum pode pensar: "Mas se o sujeito for condenado vai para a cadeia". Na prática, não é bem assim. De novo, vem a frustração. Quem for condenado por porte ilegal de arma e não apresentar antecedentes criminais terá direito às penas alternativas, que variam de um pagamento de cesta básica até a prestação de serviços à comunidade. Ou seja, não é muito fácil ir para a cadeia hoje em dia.

De outra parte, o poder público e a iniciativa privada pouco investem em campanhas que conscientizem de modo efetivo. É preciso deixar claro: um cidadão comum armado tem grande dificuldade em garantir a própria segurança. Não é difícil encontrar gente de bem armada que se dá muito mal em um assalto. Nesse caso, três situações são evidentes. Na primeira hipótese, a pessoa não usa a arma e se comporta como qualquer outra vítima. Na segunda, o bandido percebe a arma da vítima e acaba atirando e até matando o infeliz. Na terceira hipótese, o criminoso rouba a arma, aumentando o número de armamentos clandestinos negociados entre os bandidos.

Em resumo: não adianta querer proibir a comercialização de arma de fogo para coibir a violência. As estatísticas mostram que a maioria das armas clandestinas é contrabandeada e roubada de seguranças. Ou alguém acha que um bandido entra numa loja para comprar uma arma legalmente? Por outro lado, vale lembrar que, enquanto o crime não respeita as fronteiras, os policiais são impedidos de atravessar os limites estaduais portando armas.

Entendemos que se torna necessário mudar a legislação para autuar em flagrante e mandar para a cadeia quem andar com arma de fogo sem o devido porte. Este infrator não pode ficar livre pelo pagamento de fiança nem responder ao processo em liberdade. Dessa forma, estaremos reprimindo o porte ilegal de armas e, como conseqüência, prevenimos outros tipos de crime como o roubo, latrocínio, homicídio etc. Uma outra alternativa é a criação de um banco de dados com as armas comercializadas no país, com o modelo e o número do armamento, além de detalhes sobre o projétil, que deve ser enviado pela fábrica. O cadastro ajudaria a verificar a posse, a conferir o eventual uso no caso de crimes e até produzir estatísticas eficientes.

Após 24 anos como policial civil pude perceber que o delito de porte de arma serve de trampolim para crimes mais graves. Pela minha experiência, a maioria dos autores de homicídio, de tráfico de entorpecentes, de latrocínio e de roubo já possui na ficha criminal passagem por porte de arma. Por isso, não canso de reafirmar: o porte ilegal de arma é crime de repressão preventiva. Enquanto reprimirmos o porte em si, preveniremos a prática dos outros delitos mais danosos a sociedade.

O tema está sendo debatido pelo Congresso Nacional, que elabora o Estatuto das Armas. Neste momento, é fundamental que a sociedade fique atenta para as negociações entre os poderes Executivo e Legislativo. Algumas concessões podem acabar deixando tudo como está. A idéia inicial é ampliar a pena para porte ilegal de arma de um a dois anos para de dois a quatro anos de reclusão. Para quem usar armamento de uso exclusivo das Forças Armadas a pena sobe de três para seis anos. Outra inovação é transformar em inafiançável o crime de porte ilegal.

Até aí, tudo bem. O problema vem a seguir: pela proposta, quem for detido com armamento sem autorização ficará preso até o fim do processo judicial, caso tenha antecedentes criminais e não comprove residência fixa e profissão. Se esses dois itens finais não forem desconsiderados, a "nova lei" será ineficaz e não prevenirá a criminalidade que começa com o flagrante de um porte ilegal de arma.

*Romeu Tuma é delegado de Classe Especial da Polícia Civil, deputado estadual (PPS-SP) e presidente da Comissão de Segurança Pública da Assembléia Legislativa de São Paulo

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