CPI dos cursos de medicina expõe deficiências na formação de profissionais


10/01/2011 16:48

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Uma das sugestões é a realização de exames de avaliação periódicos



A necessidade de maior rigor na formação dos médicos gerou a constituição de Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar a proliferação dos cursos de medicina no Estado de São Paulo e os efeitos deste fenômeno na qualidade dos serviços médicos prestados.

Instalada em 3/6/2009 e encerrada em 9/2/2010, a CPI foi presidida pelo deputado Celso Giglio (PSDB) e teve como vice-presidente e relator o deputado Uebe Rezeck (PMDB). "Nosso objetivo é assegurar que as faculdades tenham rigor na formação dos futuros médicos", declarou Celso Giglio na época em que a CPI foi instalada, ocasião em que Uebe Rezeck ressaltou a importância de qualificar profissionais da área de saúde através de cursos com excelência de ensino.

Nos 180 dias de trabalho, a comissão ouviu diversos médicos, professores, representantes de entidades da categoria médica e diversas autoridades. Também examinou diversos documentos. Prestaram depoimentos, entre outros, o então secretário estadual de Saúde, Luiz Roberto Barradas Barata (falecido em 17/07/2010), o ex-ministro da Saúde Adib Jatene, o presidente da Associação Paulista de Medicina, Jorge Carlos Machado Curi, o presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo, Cid Célio Jayme Carvalhaes, o presidente da Associação de Médicos Residentes do Estado de São Paulo, João Paulo Cechinel de Souza, e o representante da então secretária do Ensino Superior do Ministério da Educação, Cláuido Mendonça Braga.

Conforme informações apresentadas à CPI, atualmente existem no país 181 escolas médicas, das quais 102 privadas, 47 federias, 26 estaduais e 6 municipais. Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), desde o ano de 2000 foram abertas 76 novas escolas médicas, sendo que mais de três quartos delas são privadas.



Avaliação



O representante e ex-presidente da Associação Brasileira de Educação Médica (Abem), Milton Arruda Martins, declarou haver vários problemas nas escolas de medicina, como a de hospitais-escola, poucas vagas para residentes e falta de certas especialidades, como pediatria, oncologia e obstetrícia. A criação de sistema de avaliação feito por pessoas de fora da escola que implique consequências para o não cumprimento das exigências de qualidade. Para Martins, o sistema atual do Ministério da Educação é bom, mas deve ser atrelado a uma avaliação mais frequente. Sugeriu também integrar as escolas de medicina ao SUS, tornando-o instrumento de educação continuada.

O coordenador do exame do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), Bráulio Luna Filho, declarou aos parlamentares que o exame opcional, que há atualmente, não é pré-requisito para a habilitação do médico ao exercício da profissão, é uma proposta que está em prática desde 2005 e vem somar-se a outras medidas já implementadas, como a avaliação permanente, realizada pelas próprias escolas durante a graduação. O coordenador explicou que foi extensamente debatida a forma como a prova seria elaborada e aplicada, considerando que o aluno é recém-formado e o estudante aprende cerca de 61% do que é ensinado na faculdade. Além disso, acrescentou, várias associações eram contra a aplicação dos testes. Entre outras propostas que Luna considera indispensáveis para a melhoria das faculdades de medicina está o programa de residência médica, que tem de ser garantido pelas instituições, com vaga assegurada para todos.



Marco regulatório



A política pública adotada pelo governo federal para os cursos de medicina foi tema tratado na CPI por Carlos Mendonça Braga, da sucursal paulista do Ministério da Educação (MEC). O enfoque recaiu sobre os processos de autorização para abertura e funcionamento dos cursos. Mendonça Braga fez uma rápida apresentação sobre os procedimentos que vêm sendo adotados pelo MEC desde a edição da Lei 10.861/2004, e do Decreto 5.773/2006, que estabeleceram o marco regulatório para o funcionamento dos cursos de medicina no país.

Ele esclareceu que o MEC, com base na lei e no decreto regulatório, procede à avaliação dos cursos a cada três anos, quando é verificado o projeto didático-pedagógico (se é satisfatório e adequado à legislação), o corpo docente (se é titulado e se a dedicação à docência cumpre horas suficientes) e a infraestrutura (se há boas instalações, laboratórios, biblioteca e hospital-escola). Depois da nova lei, não é mais possível abrir instituições voltadas para o ensino da medicina sem atender às obrigações impostas pela regulação. Entretanto, já havendo um grande número de escolas que estavam em funcionamento sem alguma dessas exigências, o MEC, à vista da avaliação obtida pelo processo trienal e pelos resultados do Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes), abriu processos de supervisão para as instituições que não atingiram nota satisfatória. Quinze cursos foram postos sob supervisão, dos quais três tiveram de reduzir a oferta de vagas e quatro estão impedidos de realizar exames vestibulares. Esses cursos, em que foram constatadas falhas e deficiências em algum dos itens avaliados pelo MEC, assinaram com o ministério termos de compromisso, os chamados "Termos de Saneamento de Deficiências", em que se comprometem a solucionar as pendências num determinado prazo, sob pena de sanções que podem levar até ao descredenciamento da instituição ou fechamento do curso.



Especialidades e saúde pública



Outro assunto tratado foi a orientação das escolas na formação de médicos. Defensoras da clínica geral e da atenção básica à saúde, as professoras Angélica Bicudo Zeferino, coordenadora de ensino da Universidade de Campinas (Unicamp), e Maria do Patrocínio Tenório Nunes, secretária executiva da Comissão Nacional de Residência Médica falaram sobre a proliferação dos cursos de medicina e os efeitos disso no atendimento médico. Segundo Angélica Bicudo, a falta de médicos no atendimento básico se dá menos por falta de profissionais e mais por não haver habilitados nesse tipo de atendimento, que requer mais o clínico geral e o pediatra, especialidades pouco procuradas pelos estudantes. O aumento do número de escolas médicas não equaliza a questão, já que não se trata de um problema de número, mas de orientação da formação e de concentração geográfica: a maioria procura vir a São Paulo para o período de residência médica e opta por especializações que não são voltadas para o atendimento básico.

Maria do Patrocínio Tenório Nunes, professora de clínica geral da Universidade de São Paulo (USP), defendeu que é preciso valorizar com salários diferenciados o professor e o médico que atuam na rede pública. Ela explicou que a falta de médicos no atendimento primário é um problema no mundo todo. Mesmo a definição de quais são as prioridades na área médica é um processo recente.



Barradas e Jatene



O então secretário estadual da Saúde, Luiz Roberto Barradas Barata, falou sobre a expansão desmedida dos cursos de Medicina. Na oportunidade, Barradas ratificou a preocupação do governo estadual com a qualificação do médico. "Estamos atuando em duas frentes: uma é a ampliação do número de vagas na residência médica, principalmente nas especialidades em que há carência de profissionais, como oncologia, anestesia, endoscopia e neonatologia, e a outra é a parceria com associações de classe, como a Associação Paulista de Medicina, no sentido de proporcionar aos médicos cursos de atualização profissional". Quanto ao exame de qualificação profissional, o secretário declarou-se favorável à medida nos seguintes termos: haveria exames no final dos 2º, 4º e 6º anos e uma nota mínima média nesses exames seria pré-requisito para a inscrição na residência médica.

"Não somos contra a criação de cursos de Medicina, mas contra cursos que estão sendo criados", afirmou o ex-ministro da saúde e médico Adib Jatene. Segundo ele, até a década de 1980 havia cerca de 80 faculdades de Medicina no país. De 1996 até agora, foram criadas mais 101 faculdades. "Isso em qualquer país seria um escândalo. Não há nação capaz de garantir instalações adequadas para tamanha demanda." Sobre os professores de Medicina, o médico disse que, em sua maioria, são especialistas, e segundo ele, é perda de tempo ensinar especialidades na graduação. "Os professores devem ensinar aos alunos o que é indispensável, o básico. O médico deve ser treinado para tratar emergências, por isso toda faculdade tem de ter um complexo médico-hospitalar. Atualmente os médicos são treinados para usar tecnologia; não sabem fazer um simples exame clínico. Diante desse panorama, ou o governo federal toma providências ou não sei o que vai acontecer com o ensino médico no país", acrescentou.

Questionado pelo deputado Luiz Carlos Gondim (PPS) porque não são aumentadas as vagas para residência, Barradas disse que São Paulo é o único Estado brasileiro que financia 70% das bolsas de residência, mas falta verba.

O relator da CPI, deputado Uebe Rezeck (PMDB), afirmou que uma saída inteligente para o problema da qualificação dos profissionais da área seria a criação de exames intermediários durante a graduação, impondo medidas restritivas às escolas com resultados abaixo do esperado. "Os exames forçariam a melhor preparação dos profissionais e a adequação das faculdades".



Especialidades relegadas



Com relação à residência médica, há cerca de 26 mil vagas disponíveis, sendo que 21 mil são utilizadas, gerando uma ociosidade de 5 mil vagas. Estudos da Secretaria de Gestão do Trabalho e Ensino em Saúde, do Ministério da Saúde, mostra que sete especialidades acabam tendo dificuldade grande de formação: pediatria, psiquiatria, neurocirurgia, intensivista, neonatologia, medicina de urgência e de saúde à comunidade, em função de que os profissionais são extremamente exigidos, além de trabalharem em condições técnicas desfavoráveis. "A residência médica atravessa uma conjunção de jornadas exaustivas, falta de financiamento, problemas de orientação e planejamento na abertura das vagas", diz o relatório.

Em depoimento à CPI, o então secretário da Saúde Luiz Roberto Barradas Barata informou que o Estado financia 70% das bolsas de residência médica, enquanto nos outros Estados, 70% das bolsas são financiadas pelo governo federal.



Exame de aproveitamento



De acordo com o relatório, o aluno precisa fazer exames de aproveitamento duas ou três vezes durante o curso e a escola deve ser responsabilizada pelo seu aproveitamento. Sendo assim, a escola que não conseguir aprovar um percentual significativo terá seu vestibular suspenso. "Em todos os depoimentos e explanações feitos pelos convidados desta CPI pudemos constatar que problemas de formação e qualificação fragilizam o exercício profissional".

Segundo citação do presidente do Conselho Federal de Medicina, José Fernando Maia Vinagre, "a abertura de escolas sem critério prejudica os estudantes no sentido técnico e científico, mas também no aspecto ético... Um profissional que não é formado adequadamente passa a pedir muitos exames por não ter conhecimento para fazer um estudo clínico, encarecendo a saúde".

O relatório citou uma lista de novas regras definidas pelo MEC para a autorização de abertura de novos cursos de medicina, como a necessidade de a faculdade ter hospital de ensino próprio ou conveniado por, no mínimo, dez anos, e que possua programas de residência médica credenciados pela Comissão Nacional de Residência Médica; infraestrutura mínima disponível para os três primeiros anos de curso, incluindo laboratórios e bibliotecas; e a existência de um núcleo docente estruturante, composto por docentes com dedicação preferencial ao curso, com alta titulação e experiência na área específica.



Encaminhamento



Uma cópia do relatório da CPI, aprovado em 9/2/2010, será encaminhado ao governador do Estado, ao Ministério da Educação, ao Ministério Público Federal, à Associação dos Médicos Residentes do Estado de São Paulo, e, por solicitação do deputado Fausto Figueira (PT), e aprovada pela comissão, ao Conselho Federal de Medicina, ao Sindicato dos Médicos de São Paulo, à Associação Paulista de Medicina, à Comissão Nacional de Residência Médica, à Associação Brasileira das Escolas de Medicina, a todas as faculdades de medicina do estado e aos centros acadêmicos das faculdades de medicina do Estado.

Participaram da CPI, como membros efetivos, os deputados José Augusto (PSDB), Fausto Figueira e Vanderlei Siraque, ambos do PT, João Barbosa (DEM), Luiz Carlos Gondim (PPS), Antonio Salim Curiati (PP) e Patrícia Lima (PR), e como suplentes, Célia Leão e Milton Flávio, pelo PSDB, Beth Sahão e Marcos Martins, pelo PT, André Soares (DEM), Alex Manente (PPS), Baleia Rossi (PMDB) e Mozart Russomanno (PP).

alesp