O noticiário sobre o escândalo do "Mensalão", dos Correios e do IRB tem ocupado a atenção de todos. Trocam-se acusações, levantam-se dossiês, contudo a grande parte deste tumulto todo carece da condição essencial para que a discussão seja produtiva, ao invés de ser apenas mais um caso a ser esquecido quando a poeira baixar. O denuncismo é estéril porque busca apenas os "culpados da vez", vendendo a ilusão de que o problema é apenas a má escolha do eleitor, que vota em pessoas ruins. Com o passar dos anos e o suceder dos escândalos esta imagem equivocada acaba gerando na sociedade a impressão contrária " aquela segundo a qual todos são iguais em sua desonestidade e corrupção " desinteressando a população da política. Quando se chega a este ponto o campo se torna aberto para transformar mandatos em balcões de negócio, portanto o denuncismo não previne o mal que se propõe combater, mas é sua quinta coluna.É evidente que as sérias acusações levantadas por estes escândalos devem ser apuradas com rigor e os culpados devem ser punidos. Contudo a questão não pode parar nisto, é preciso que o país aprenda com seus erros e busque o aperfeiçoamento das estruturas e das instituições de forma não apenas a punir os erros, mas a evitar que eles ocorram.O filósofo Spinoza, com muita sabedoria, afirmou que a garantia do comportamento ético nas questões de Estado estaria condenada ao fracasso se dependesse apenas do poder ser ocupado por homens honestos. O necessário, dizia ele, era que o governo fosse dotado de instituições tais que fosse o trono ocupado por um santo ou pelo pior vilão ainda assim o comportamento ético estaria garantido.É com esta sabedoria que devemos procurar tirar lições dos tristes incidentes se desejarmos não apenas motes para discursos de campanhas eleitorais, mas um benefício permanente para o país, um programa que impeça " ou ao menos torne muito mais improváveis - a ocorrência destes escândalos que assolam o país nos últimos dias. Não basta fazer o diagnóstico, é necessário também que se prescreva os medicamentos. A tentativa de buscar maioria parlamentar " falando em termos hipotéticos e gerais, abstraindo o atual episódio denunciado - através de "mensalões", barganhas de cargos, aprovação de emendas, até é defeito de caráter, sinal de pouca afeição à democracia, resultado da ausência de projeto para o país. Mas a grande questão por detrás de mecanismos vis como estes não se resume ou pode ser explicada de forma exclusiva pelas fraquezas pessoais do governante ou seu partido. A repetição de fatos da Era Collor " tão diferente em essência da Era Lula " apenas sinaliza com clareza que o problema não é pessoal, mas institucional.Em outras palavras, a atual crise oferece a oportunidade para que se discuta, enfim, a Reforma Política. A busca de maioria por meios tortuosos é de um lado resultado do pouco poder reservado aos parlamentares, de outro à ausência de qualquer elo de responsabilidade comum entre Legislativo e Executivo. Esta mistura explosiva é temperada pela inexistência efetiva da fidelidade partidária, pela distorção da representação proporcional que sacrifica São Paulo e outros estados populosos. Agrava com muita severidade este quadro a prevalência de um sistema de despojos que ao invés de buscar a construção de um Estado profissionalizado transforma muitos órgãos públicos em moeda de troca nestas barganhas. Também a não adoção de um sistema distrital misto estimula a fermentação deste caldo de cultura da corrupção e da demagogia porque enfraquece a relação entre parlamentares e seus eleitores e quase os obriga a buscar através de acordos estranhos a verdadeira política a atenção às demandas da comunidade que representa.Assim como o problema não é novo, tampouco o são as soluções. O programa do PSDB há 20 anos já apontava a necessidade desta Reforma Política embasada, particularmente, no parlamentarismo, associado ao voto distrital misto e ao voto por lista. A isto se deve acrescentar a correção das distorções da representação do eleitorado no Congresso, casuísmo colocado pela ditadura militar para garantir artificialmente uma maioria, mas que a Constituição de 1988 acabou por confirmar em função de interesses de momento. A recuperação do princípio básico da democracia - "um homem, um voto" - vai reestabelecer o equilíbrio na composição do Congresso, que hoje discrimina violentamente São Paulo " entre outros grandes estados " que tem 21% dos eleitores, mas apenas 10% dos deputados federais.A profunda crise provocada pelos escândalos, quando olhada com visão de estadista e não com o olhar eleitoreiro, oferece ao menos a grande comoção necessária a que finalmente a Reforma Política deixe de ser vago projeto em gabinetes para cair no debate popular e finalmente ser colocada em prática. Enquanto isto não ocorrer, que ninguém se iluda, poderão até haver governos honestos, mas jamais se afastará a possibilidade de novos escândalos se sucederem com graus crescentes de gravidade.*Ricardo Tripoli é líder da bancada do PSDB na Assembléia Legislativa de São Paulo. Foi presidente da Assembléia Legislativa, da Comissão de Constituição e Justiça e secretário de Meio Ambiente.