OS HOLOFOTES DO APAGÃO - OPINIÃO

Arnaldo Jardim*
24/05/2001 15:05

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A crise de energia está dirigindo os holofotes sobre verdades do modelo econômico brasileiro que o governo FHC sempre tentou esconder. Somos vulneráveis principalmente porque não temos uma base sólida sobre a qual possamos crescer de forma sustentável e nossa estabilidade está ancorada na fúria arrecadatória e na captação de recursos externos, seja via privatização ou por meio da sedução do capital internacional volátil e especulativo.

Nada foi feito nos últimos dez anos no sentido de preparar nossa economia para o crescimento. O setor energético é a face mais visível do colapso de um modelo econômico capenga que privilegia os aspectos financeiros e de fluxo de caixa, em detrimento do sistema produtivo.

As medidas de racionamento de energia elétrica recém-adotadas pelo chamado Ministério do Apagão (redução de 20% no consumo, acompanhadas de multas e cortes) comprovam a gravidade do problema e demonstram que o governo FHC deve insistir ainda mais no velho jargão heterodoxo do FMI, pelo qual as crises devem ser combatidas com choque de oferta e contenção de demanda.

Ameaçando com o fantasma do apagão o governo dispara sua filosofia: o país não pode crescer e a arrecadação não deve diminuir. É isso que podemos depreender do imposto disfarçado de taxação, incidente sobre o consumo de energia acima de 200 quilowatts/mês e que mal dá para o consumo de uma residência que abrigue mais de quatro pessoas, com geladeira, chuveiro, ferro elétrico, televisão e algumas lâmpadas regularmente ligadas. É importante notar que muito mais do que orientar as pessoas sobre maneiras de reduzir o consumo o governo está mesmo preocupado em não diminuir sua arrecadação e, se possível, vai querer aumentá-la. Tem gente do governo já defendendo a perenização destas medidas, seguindo exemplo do imposto de cheque, nascido temporário e transformado em permanente.

O mais grave de tudo isso é não poder crescer. A estagnação atrofia os músculos da economia e pode até diminuir o ritmo atual de sua atividade. Imaginem, por exemplo, o que vai acontecer com a construção civil, cujas obras estão ameaçadas pela decisão de não fornecimento de energia nova. Não precisa ser nenhum profeta para saber o que essas medidas irão provocar na economia: menos dinheiro em circulação, menos emprego e aprofundamento das desigualdades sociais com pressão cada vez maior sobre o setor público (educação, saúde, moradia, previdência), aumentando a necessidade de o Estado arrecadar para não aprofundar seu déficit. Trata-se de um círculo vicioso catastrófico que precisa ser rompido, sob pena de virarmos sucata.

Dentre tantas informações ruins, saudamos a notícia de que o projeto de lei que cria o Conselho Estadual de Política Energética, de minha autoria, será aprovado nesta semana na Assembléia Legislativa. Isso significa que São Paulo terá um instrumento eficaz, reunindo diversos setores da sociedade, para elaborar um planejamento estratégico adequado para o Estado. O Conselho terá como uma de suas atribuições a definição de diretrizes à produção, distribuição e uso de energia e minerais. Deverá também acompanhar o plano de investimento do setor para o Estado de São Paulo e procurar garantir o acesso do consumidor às informações gerenciais (especialmente sobre as questões tarifárias).

Necessitamos urgentemente de uma política energética voltada para investimentos e diversificação do setor para aproveitarmos o enorme potencial de geração de energia que o País dispõe. Mas, sobretudo, precisamos de uma revisão imediata deste modelo econômico perverso, financista, frágil e sem perspectiva.

*Arnaldo Jardim é deputado estadual, engenheiro civil, ex-secretário da Habitação, relator geral do Fórum SP Século XXI e presidente estadual do PPS.

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