A HORA E A VEZ DO TERCEIRO SETOR - OPINIÃO

Willians Rafael*
25/05/2001 15:00

Compartilhar:


"O despertar do entusiasmo coletivo é o maior capital para a transformação da sociedade"?

Konrad Adenauer, chanceler alemão

Refletindo sobre as mudanças que vêm ocorrendo no mundo atual e globalizado em que estamos vivendo, lembrei-me da definição de Aristóteles de que o homem é um animal político e que como tal deveria se organizar politicamente para viver em sociedade. E assim o fez ao longo do tempo, formatando o Estado com suas divisões administrativas e produtivas, contemplados respectivamente pelas áreas governamentais e pela iniciativa privada.

No decorrer da história, e independentemente do regime político em que vivia, o homem definiu esses papéis, ora dando importância para este, ora para aquele setor. No Brasil não foi diferente. Até os anos 60 preponderava a força interventora do Estado que se agigantava à sombra da impotência do segundo setor, que entretanto logo depois se veria livre do poder estatizante graças à redemocratização do país, que junto com ela trouxe as idéias formadoras do que hoje se convencionou chamar de neoliberalismo.

Inobstante essas conquistas, a sociedade brasileira se viu às voltas, como tantas outras similares, com a rápida degradação dos dois setores, por uma série de razões que por serem tantas pedem um estudo específico, mas que podem ser definidas, a grosso modo, como a falência do primeiro e a omissão do segundo. Esse vácuo de poder e autoridade daria origem a uma nova face da organização das sociedades.

Entre os favores que a modernidade tem oferecido ao desenvolvimento do homem, de sua sobrevivência e da convivência com seus iguais estão, com certeza, novos papéis dos setores constitutivos da sociedade. E é no caldo de cultura desses novos pensares que nasceu e ganhou força inimaginável o conceito do Terceiro Setor, constituído por organizações privadas sem fins lucrativos que geram bens, serviços públicos e privados, tendo todas como objetivo o desenvolvimento político, econômico, social e cultural no meio em que atuam. São exemplos destas as organizações não-governamentais, as cooperativas, as associações e fundações. O Estado é o primeiro setor, o mercado é o Segundo Setor e as entidades da sociedade civil formam o Terceiro Setor. Não se trata de um modismo, um devaneio ou uma abstração sociológica, preconceito nascido certamente do prestígio do Terceiro Setor nas academias, coisa de resto perfeitamente compreensível. Hoje é uma decidida realidade e uma eficiente ferramenta da cidadania. Pondere-se, para reforçar esta importância, o papel exercido pelas Ongs em dois importantes acontecimentos mundiais, o Fórum Econômico de Davos, na Suíça, e o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, ambos em janeiro. Várias Ongs internacionais são hoje a face mais visível do Terceiro Setor, podendo se destacar a Anistia Internacional, o Greenpeace, os Médicos Sem Fronteiras, o Fundo Mundial de Proteção à Natureza e o S.O.S Mata Atlântica, entre tantos. Esta não é, todavia, a única frente de atuação do Terceiro Setor, que abriga ainda entidades assistenciais e filantrópicas, também elas supridoras de papéis que o Estado e o Mercado não podem ou não querem assumir. Não por acaso a ONU decretou 2001 como o Ano Internacional do Voluntariado.

Como é a hora e a vez do Terceiro Setor, que veio para ficar e hoje é absolutamente indispensável, resta ao Estado e ao mercado, como tributo pela indiferença com que trataram a organização social, não apenas aprender a conviver com ele, mas principalmente subsidiá-lo por ser ele mais competente, responsável, legítimo e ágil para implementar as políticas públicas das quais o primeiro e o segundo se afastaram. Ao Estado compete, por exemplo, avalizar o Terceiro Setor para que obtenha no mercado os recursos necessários para tanto.

Da palavra a ação, tomei a iniciativa de propor nesta Assembléia Paulista nada menos que 10 projetos de lei criando a figura do fundo de aval para que associações e cooperativas possam lançar mão da moderna ferramenta da securitização, pela qual essas entidades obtêm no mercado recursos financeiros que serão resgatados com seu 'recebíveis'. Aos 10 projetos de lei fiz seguir outras 10 indicações ao Poder Executivo para que implemente os fundos de aval, beneficiando os segmentos da habitação, agricultura, artesanato, coleta e reciclagem de lixo, educação, compras, de moradores de áreas livres, de trabalho e industriais.

Permito-me, modestamente, apontar como outro exemplo, além dos já citados anteriormente, o Movimento Habitacional Casa para Todos, que idealizei, fundei e presido, por achar que é mesmo um paradigma de que é possível, apenas com vontade política, viabilizar políticas habitacionais. Expoente de resultados concretos e da auto-organização da sociedade, eu pergunto quantas unidades habitacionais a mais, além das quase 5 mil que estamos construindo e que faz do Casa para Todos o maior movimento habitacional e social da história do Brasil, poderíamos, com aval estatal, ofertar a umas tantas cidades brasileiras onde é agudo o déficit habitacional?

É isto que embala meu otimismo em relação ao papel do Terceiro Setor e minha certeza de que é nele que está depositada a esperança de toda a sociedade em dias melhores e na superação da falência do primeiro e da indiferença do segundo Setor. Tive a oportunidade de, a convite do meu amigo Celso Giglio, prefeito de Osasco e presidente da Associação Paulista de Municípios, proferir palestra sobre o cooperativismo como solução dos problemas habitacionais das cidades no 45.º Congresso Paulista de Municípios, realizado na última semana em Serra Negra, defendendo as organizações não-governamentais como absolutamente necessárias para o preenchimento das já referidas lacunas deixadas pelo primeiro e pelo segundo setor.

Embala, igualmente, minha certeza de que só o Terceiro Setor oferece sedução para o despertar do entusiasmo coletivo de que fala Adenauer, que dele se valeu para reerguer a sua Alemanha e lançar as bases desta que é hoje uma das mais sólidas economias do mundo, e que por isso mesmo o definiu como o maior capital para a transformação da sociedade.

*Willians Rafael é deputado estadual pelo PTB.

alesp