O BRASIL ANTECIPOU O FUTURO - OPINIÃO

Arnaldo Jardim*
09/05/2002 17:52

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Não há mais dúvidas. Está em curso uma transformação irreversível nas fontes de energia fundamentais para a movimentação da economia mundial.

O petróleo, combustível fóssil, poluidor e finito predominante no século XX, já entrou num período de depleção (curva de produção inferior a de consumo), o que indica preços cada vez mais altos e utilizações mais selecionadas.

O primeiro grande impacto desta mudança deverá se dar no transporte rodoviário: a gasolina e o diesel darão lugar ao álcool, ao biodiesel nos motores convencionais e à célula de combustível, que também poderá empregar álcool nos motores do futuro.

A primeira demonstração desta mudança é a resistência cada vez menor da indústria do petróleo ao banimento do MTBE na mistura da gasolina. O MTBE é um derivado do petróleo utilizado como antidetonante da gasolina, que serve para evitar explosões nos motores de ciclo Otto e que está sendo abandonado por contaminar as águas de abastecimento e apresentar potencial cancerígeno. Um exemplo desta mudança de comportamento das distribuidoras é o recente anúncio da British Petroleum de que substituirá o MTBE por etanol (álcool) na mistura da gasolina no Estado norte-americano da Califórnia. Isto ocorre mesmo após o governo da Califórnia adiar por um ano, de 2003 para 2004, o banimento do produto no estado.

Na esteira deste banimento cresce o número de países decididos a misturar álcool à gasolina, motivados pelo combate mundial ao efeito estufa, cujo principal símbolo é o Protocolo de Kyoto. Este, que vem sendo ratificado por um número cada vez maior de países, consagra o incentivo às fontes renováveis de energia e desestimula o uso de fontes fósseis geradoras de CO2.

Ao mesmo tempo surgem alternativas transitórias e que antecedem os novos motores movidos a célula de combustível. Falo dos carros híbridos, movidos a álcool e/ou gasolina que já contam com uma frota de quase 2 milhões de veículos nos Estados Unidos, quase do tamanho da nossa frota total de veículos a álcool, que hoje está em torno de 3 milhões de automóveis. Isto graças ao descaso verificado em relação ao carro a álcool nos últimos anos, uma vez que já chegamos a possuir uma frota de mais de 4,8 milhões destes veículos.

O carro híbrido, também chamado de flex fuel ou carro flexível, deve estar chegando no próximo ano no Brasil. A Ford apresentou na última semana protótipos deste veículo e sabe-se que a Magnet Marelli e a Robert Bosch também já têm seus sistemas de injeção, disponíveis para emprego na indústria automobilística. Os sistemas permitem ao veículo usar a atual gasolina com 25% de álcool anidro ou até 100% de álcool hidratado, o que dá ao consumidor total liberdade para escolher o combustível a ser utilizado. Trata-se de um sistema que nos torna livre da camisa de força dos preços ou de eventuais riscos de abastecimento de qualquer um dos combustíveis.

Considero o flexible fuel como a redenção total do carro a álcool, uma vez que retira o principal argumento da indústria automobilística, que se baseia numa suposta (e irreal) insegurança quanto ao abastecimento do combustível. No entanto, enquanto a tecnologia não se firma definitivamente, é fundamental a continuidade da produção de veículos a álcool, de comprovada qualidade, resistência e durabilidade.

De qualquer forma, tanto o carro híbrido como o carro flexível demonstram que o álcool, nosso combustível renovável, tem um grande futuro. Na célula de combustíveis, por exemplo, deverão ser abertos novos mercados para o álcool, não só no setor automotivo mas também no aeroespacial, marítimo, ferroviário e de geração de energia e calor.

Enganam-se, portanto, aqueles que pensam que o álcool é uma alternativa do passado. É cada vez mais a solução do futuro, que o Brasil sabiamente antecipou quando criou o Programa Nacional do Álcool, em 1975, e passou a fabricar maciçamente automóveis a álcool a partir de 1979.

Arnaldo Jardim, 47, presidente estadual do PPS, é deputado estadual, engenheiro civil, ex-secretário da Habitação (1993) e coordenador da Frente Parlamentar pela Energia Limpa e Renovável.

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