Opinião - A voz das vítimas


14/03/2012 11:32

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"Muito constrangimento. Morava numa casa simples e sonhava que o loteamento fosse legalizado para viver dignamente. Foi horrível o que passamos lá. Crianças e idosos sendo tratados feito vermes." Essas palavras foram ditas por Luciana, que vivia no Pinheirinho com uma filha de nove anos de idade até o dia 22 de janeiro, quando tudo mudou, após a execução da reintegração de posse no local.

Como Luciana, centenas de pessoas fizeram relatos de humilhações, agressões e do péssimo tratamento recebido desde a desocupação do Pinheirinho. Muito já foi falado sobre aquela área localizada na zona sul de São José dos Campos, mas agora é a vez das vítimas.

Um relatório preliminar do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe) reuniu os depoimentos e as estatísticas sobre a operação Pinheirinho. O que vemos são relatos de gente sofrida, que viu sua dignidade ser reduzida a cinzas.

O que causa estranhamento, no entanto, é perceber que políticos do PSDB insistem em classificar o caso como uma tentativa do PT em disseminar o ódio. Os tucanos tratam o assunto como algo que transcorreu da maneira mais tranquila possível, como se não tivesse havido agressão física e psicológica, cujos efeitos são incalculáveis, principalmente na vida das crianças, que abruptamente foram arrancadas de suas casas e viram sua rotina mudar.

Não é possível reduzir a operação Pinheirinho apenas à "defesa das instituições e do Estado democrático de direito". O que se viu ali foi a defesa cega do interesse de um particular em detrimento de cerca de 7 mil pessoas. Falamos de gente que se agarrou à possibilidade de ter uma moradia e que pedia a legalização da área para que pudesse pagar por ela.

Desde o início do "caso Pinheirinho" o fator social foi desprezado. Em oito anos de ocupação faltou tomar as providências cabíveis para que, em caso de reintegração de posse, houvesse uma destinação para as famílias já estabelecidas no local.

Falo isso não como membro de partido de oposição ao governo estadual, mas como alguém que acompanhou o período das negociações para evitar a desocupação e que esteve na Igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no Campo dos Alemães, bairro vizinho ao Pinheirinho, no momento em que a polícia jogou uma bomba sobre pessoas em fila para pegar sopa.

Mas se mesmo com tais relatos ainda pareça aos que tentam dizer que a operação Pinheirinho foi um sucesso, sem qualquer sequela, resgato aqui os argumentos do professor de direito civil e desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo José Osório de Azevedo Jr., que sabe exatamente o que é Estado democrático de direito, mas sem esquecer o interesse social. Em artigo publicado em jornal de grande circulação, o professor pontuou que "os direitos dos credores da massa falida proprietária são meros direitos patrimoniais". E resgatou o art. 1º, III, da Constituição, que indica a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República.

É fácil falar de campanha para disseminar o ódio quando se está à distância dos verdadeiros problemas da sociedade. Quando a pobreza e o sofrimento alheio se tornam meros temas para teses acadêmicas ou discursos políticos vazios realmente qualquer tentativa de mostrar a verdade é vista como hipérbole ou uma diatribe de quem está fora da realidade.

O fato é que a voz das vítimas do Pinheirinho ainda ecoa, embora muitos tentem fazer ouvidos moucos, jogando com palavras e com vidas de quem tem poucos meios para se defender. (mlf)



*Marco Aurélio é deputado pelo Partido dos Trabalhadores e membro da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, da Cidadania, da Participação e das Questões Sociais

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