Garantir o álcool combustível

OPINIÃO
23/01/2003 16:23

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Arnaldo Jardim*

Evitar um mal maior e zelar pela credibilidade do álcool combustível. Isto é o que se pode depreender da decisão do governo de reduzir a adição de álcool anidro à gasolina de 25% para 20%. O mal maior é o risco de abastecimento causado por uma demanda, crescente e não detectada a tempo, por um combustível que tem tudo para ser a grande alavanca do nosso desenvolvimento sustentável.

Não fosse este risco nada justificaria tal medida. Afinal, ela tem reflexos negativos para o meio ambiente e para o preço da gasolina ao consumidor. Isto porque o álcool reduz tanto a poluição como o preço da gasolina.

Lamento, mas compreendo a necessidade da ação, uma vez que a segurança de abastecimento é prioritária. No entanto, gostaria de aproveitar o fato para recolocar a necessidade de uma discussão séria sobre a matriz de energia no Brasil.

Este descontrole de demanda do álcool combustível ocorrido no ano de 2002 põe a nu a falta de planejamento no setor de combustíveis a exemplo do que já havia ocorrido com o apagão no setor elétrico.

Com a responsabilidade de Coordenador da Frente Parlamentar pela Energia Limpa e Renovável procurei informações sobre o acontecido e de acordo com fontes do governo e da iniciativa privada houve uma subestimação da demanda: a produção de álcool da região centro-sul do País desenhada para esta safra era da ordem 11,2 bilhões de litros, que somados ao álcool da Petrobrás existente no sistema e a repetição em abril de 2003 da produção de abril de 2002, seriam mais do que suficientes para suprir o consumo do combustível.

Acontece que a demanda disparou e ninguém se deu conta. Principalmente porque o álcool da Petrobrás existente no sistema (mais de 250 milhões de litros), e que deveriam ser escoados na entressafra, foi vendido já a partir do início da safra o que mascarou as estatísticas feitas a partir das saídas de álcool das usinas. Só a partir de novembro, quando este álcool foi todo escoado é que se percebeu que a demanda mensal era pelo menos de 100 milhões de litros adicionais.

A produção de álcool da safra 02/03 da região Centro-Sul já está confirmada em 11,15 bilhões de litros, 1 bilhão de litros superior à produção da safra anterior.

A demanda esperada era de 11,4 bilhões de litros, mesmo com esta expectativa a demanda estaria garantida pelos 11,15 bilhões de litros produzidos, somados com os 250 milhões de litros da Petrobrás disponíveis no sistema, além disso já estava prevista antecipação de safra, com produção de 290 milhões de litros para dar segurança ao sistema de abastecimento.

Pelos fatos expostos a demanda teve um forte aumento no final do ano, com saídas mensais de álcool na região Centro-Sul da ordem de 1 bilhão de litros. A projeção a partir daí indica uma demanda de 11,8 bilhões de litros, sem a redução de 25% para 20% da adição de álcool à gasolina; com a redução do teor de álcool na gasolina esta demanda deverá cair para 11,55 bilhões de litros. que serão completados que serão completados com 500 milhões de litros, que se discriminam em 150 milhões para cobrir a diferença e o restante para dar segurança ao sistema.

É assustador que o Governo ou a Agência Nacional do Petróleo não tenham um controle próprio da demanda. E mais grave ainda é saber que a demanda se deveu não pelo consumo tradicional, do álcool do carro a álcool ou decorrente do consumo de gasolina, uma vez que esse combustível tem 25% de adição de álcool anidro. As análises indicam que a demanda aumentou por conta de três fatores totalmente fora do convencional: uso do "rabo de galo", no qual o consumidor de gasolina vai no posto e pede para o frentista colocar tantos reais de gasolina e tantos reais de álcool no seu carro a gasolina; conversão informal e, portanto, sem controle de carros a gasolina para álcool; e, o que é mais grave, mistura de álcool na gasolina superior aos 25% em vigor.

Se por um lado isto indica o grande potencial do combustível renovável, por outro lado indica também uma irresponsabilidade nesse uso e que pode comprometer a imagem do produto. Isto porque o uso indiscriminado pode causar danos ao motor, o que não ocorreria em condições normais, além de dificultar o correto dimensionamento e atendimento do mercado. Creio que isso é tão grave quanto a utilização dos solventes na gasolina, cujos males provocados aos consumidores pude acompanhar na condição de relator da CPI dos combustíveis na Assembléia Legislativa de São Paulo. Mais uma vez, pergunto: E a ANP?

Embora concorde que a demanda superou as expectativas quero ponderar que não se pode continuar a correr riscos desta natureza, trabalhando com uma relação muito justa entre oferta e demanda. Cabe ao governo o papel regulador, no qual consta, entre outras obrigações, a de exigir garantias, inclusive contratuais, de uma produção com folga suficiente para o atendimento do mercado, mesmo que para isso seja necessário financiamento de estoques ou criação de estoques estratégicos.

O fato é que o governo não pode assistir o mercado se auto-regular livremente em assunto estratégico como o de energia. É preciso um acompanhamento amiúde da cadeia produtiva e atuação de magistrado para dirimir conflitos, antever problemas e construir soluções que os evitem.

Sem isso não haveremos de poder colher os frutos deste privilégio brasileiro, que é o combustível renovável que gera emprego, melhora o meio ambiente e diminui a dependência do petróleo.

Há que se aceitar, mesmo que lastimando, esta redução temporária de álcool na gasolina. Mas não há como não puxar a orelha dos produtores e do governo (sobretudo o anterior) pela imprudência que, embora corrigida a tempo, poderia botar a perder o maior programa de utilização de energia renovável em larga escala que o mundo tem notícia.

*ARNALDO JARDIM, 47, é deputado estadual. Engenheiro civil, foi secretário da Habitação em 1993 e coordena atualmente a Frente Parlamentar pela Energia Limpa e Renovável.

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