CPI dos cursos de medicina expôs deficiências na formação de profissionais da saúde

Produção Legislativa 2009
21/01/2010 18:55

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A necessidade de maior rigor na formação dos médicos gerou a constituição de Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar a proliferação dos cursos de medicina no Estado de São Paulo e os efeitos deste fenômeno na qualidade dos serviços médicos prestados.

Instalada em 3/6/2009, a CPI foi presidida pelo deputado Celso Giglio (PSDB) e teve como vice-presidente e relator o deputado Uebe Rezeck (PMDB). "Nosso objetivo é assegurar que as faculdades tenham rigor na formação dos futuros médicos", declarou Celso Giglio na época em que a CPI foi instalada, ocasião em que Uebe Rezeck ressaltou a importância de qualificar profissionais da área de saúde através de cursos com excelência de ensino.



Avaliação



A comissão ouviu o representante e ex-presidente da Associação Brasileira de Educação Médica (Abem), Milton Arruda Martins, que declarou haver vários problemas nas escolas de medicina: falta de hospitais-escola, poucas vagas para residentes e falta de certas especialidades, como pediatria, oncologia e obstetrícia. Martins afirmou também julgar importante a criação de sistema de avaliação feito por pessoas de fora da escola que implique consequências para o não cumprimento das exigências de qualidade. Para ele, o sistema atual do Ministério da Educação é bom, mas deve ser atrelado a uma avaliação mais frequente. Sugeriu também integrar as escolas de medicina ao SUS, tornando-o instrumento de educação continuada. Acrescentou a necessidade de se trabalhar com uma porcentagem do corpo docente da faculdade em regime de dedicação integral, a importância de as escolas se integrarem aos gestores locais de saúde, buscando uma adequação às demandas da sociedade, e de a Secretaria Estadual de Saúde estabelecer políticas de distribuição de bolsas para as especialidades médicas em que há falta de profissionais, valorizando áreas como a medicina de família e comunidade e de obstetrícia.



Exame de habilitação



A CPI ouviu o coordenador do exame do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), Bráulio Luna Filho, segundo o qual o exame opcional, que atualmente não é pré-requisito para a habilitação do médico ao exercício da profissão, é uma proposta que está em prática desde 2005 e vem somar-se a outras medidas já implementadas, como a avaliação permanente, realizada pelas próprias escolas durante a graduação. O coordenador explicou que foi extensamente debatida a forma como a prova seria elaborada e aplicada, considerando que o aluno é recém-formado e o estudante aprende cerca de 61% do que é ensinado na faculdade. Além disso, acrescentou, várias associações eram contra a aplicação dos testes. Entre outras propostas que Luna considera indispensáveis para a melhoria das faculdades de medicina está o programa de residência médica, que tem de ser garantido pelas instituições, com vaga assegurada para todos.



Marco regulatório



A política pública adotada pelo governo federal para os cursos de medicina foi tema tratado na CPI por Carlos Mendonça Braga, da sucursal paulista do Ministério da Educação (MEC). O enfoque recaiu sobre os processos de autorização para abertura e funcionamento dos cursos. Mendonça Braga fez uma rápida apresentação sobre os procedimentos que vêm sendo adotados pelo MEC desde a edição da Lei 10.861, de 2004, e do Decreto 5.773, de 2006, que estabeleceram o marco regulatório para o funcionamento dos cursos de medicina no país.

Ele esclareceu que o MEC, com base na lei e no decreto regulatório, procede à avaliação dos cursos a cada três anos, quando é verificado o projeto didático-pedagógico (se é satisfatório e adequado à legislação), o corpo docente (se é titulado e se a dedicação à docência cumpre horas suficientes) e a infraestrutura (se há boas instalações, laboratórios, biblioteca e hospital-escola). Depois da nova lei, não é mais possível abrir instituições voltadas para o ensino da medicina sem atender às obrigações impostas pela regulação. Entretanto, já havendo um grande número de escolas que estavam em funcionamento sem alguma dessas exigências, o MEC, à vista da avaliação obtida pelo processo trienal e pelos resultados do Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes), abriu processos de supervisão para as instituições que não atingiram nota satisfatória. Quinze cursos foram postos sob supervisão, dos quais três tiveram de reduzir a oferta de vagas e quatro estão impedidos de realizar exames vestibulares. Esses cursos, em que foram constatadas falhas e deficiências em algum dos itens avaliados pelo MEC, assinaram com o ministério termos de compromisso, os chamados "Termos de Saneamento de Deficiências", em que se comprometem a solucionar as pendências num determinado prazo, sob pena de sanções que podem levar até ao descredenciamento da instituição ou fechamento do curso.



Especialidades e saúde pública



Outro assunto tratado foi a orientação das escolas na formação de médicos. Defensoras da clínica geral e da atenção básica à saúde, as professoras Angélica Bicudo Zeferino, coordenadora de ensino da Universidade de Campinas (Unicamp), e Maria do Patrocínio Tenório Nunes, secretária executiva da Comissão Nacional de Residência Médica, compareceram à comissão para expor seus pontos de vista a respeito da proliferação dos cursos de medicina e os efeitos disso no atendimento médico. Segundo Angélica Bicudo, a falta de médicos no atendimento básico se dá menos por falta de profissionais e mais por não haver habilitados nesse tipo de atendimento, que requer mais o clínico geral e o pediatra, especialidades pouco procuradas pelos estudantes. O aumento do número de escolas médicas não equaliza a questão, já que não se trata de um problema de número, mas de orientação da formação e de concentração geográfica: a maioria procura vir a São Paulo para o período de residência médica e opta por especializações que não são voltadas para o atendimento básico.

Maria do Patrocínio Tenório Nunes, professora de clínica geral da Universidade de São Paulo (USP), defendeu que é preciso valorizar com salários diferenciados o professor e o médico que atuam na rede pública. Ela explicou que a falta de médicos no atendimento primário é um problema no mundo todo. Mesmo a definição de quais são as prioridades na área médica é um processo recente.



Vocação



Outra questão defendida pelas expositoras, que teve apoio unânime dos deputados, foi o rigor na avaliação. Para as profissionais, a avaliação do aluno acaba por resultar também na avaliação de todo o sistema: Além disso, a forma de ingresso na escola médica também é falha, na opinião da médica, pois leva em conta apenas nota obtida em exame de conhecimentos, sem uma avaliação vocacional do estudante, como é feito em diversos países. Quanto ao ingresso de alunos de outras camadas sociais, ela informou que na USP já há cerca de 1/3 (66 em um universo de 180) alunos que estudaram somente em escolas públicas.

Participaram, da CPI, como membros efetivos, os deputados José Augusto (PSDB), Fausto Figueira e Vanderlei Siraque, ambos do PT, João Barbosa (DEM), Luiz Carlos Gondim (PPS), Antonio Salim Curiati (PP) e Patrícia Lima (PR), e como suplentes, Célia Leão e Milton Flávio, pelo PSDB, Beth Sahão e Marcos Martins, pelo PT, André Soares (DEM), Alex Manente (PPS), Baleia Rossi (PMDB) e Mozart Russomanno (PP). A comissão deve continuar seus trabalhos no início de 2010.

alesp