A Semana de 22: moderna, mesmo aos 81 anos


12/02/2003 19:17

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Perdidos entre as páginas dos jornais de fevereiro de 1922, pequenos "reclames" anunciavam o Festival de Arte Moderna, abrihantado pela participação de Guiomar Novais e Heitor Villa-Lobos. Mas quem se dispôs a desembolsar os 186 mil réis que davam direito às três récitas levou um susto. Ao transpor os degraus de acesso ao Teatro Municipal, os cavalheiros de fraque e cartola, acompanhados de damas elegantemente vestidas, paravam estarrecidos.E não era para menos: convertido em museu improvisado, o suntuoso hall apresentava pinturas e esculturas que, com raras exceções, desdenhavam de todos os cânones artísticos ensinados nas melhores academias daqui e de além mar.

E pouco adiantava buscar coerência ou rima nos versos declamados no palco. Ali, uma enxurrada de desatinos literários feria sensibilidades refratárias a experimentalismos lingüísticos. Delírios poéticos sobre aeroplanos, sombrinhas e capas de chuva, sapos e guerra provocavam os espectadores, que revidaram numa bem orquestrada vaia regida pelos estudantes do alto das galerias.

Uma profusão de estudos, ensaios e hipóteses surgiu desde então para tentar explicar o fenômeno iniciado naquela Semana de 22. Considerada uma fronteira definitiva no panorama artístico e literário do país, a Semana de Arte Moderna e seus principais artífices, em especial Mário de Andrade, ocupam um lugar privilegiado na historiografia contemporânea. Assim , ao completar o movimento 81 anos, o Diário Oficial do Poder Legislativo presta sua homenagem aos vanguardistas, publicando algumas das obras (versos e pinturas) daqueles que, com raro talento e criatividade, colocaram o Brasil em pé de igualdade com o que de mais moderno acontecia na arte européia e de todo o mundo ocidental, criando e mantendo viva e pulsante uma nova maneira de expressão cultural da brasilidade.

Prefácio Interessantíssimo

Há neste mundo um senhor chamado Zdislas

Milner. Entretanto escreveu isto: "O fato duma

obra se afastar de preceitos e regras aprendidas

não dá a medida do seu valos". Perdoe-me dar

algum valor a meu livro. Não há pai que, sendo

pai, abandone o filho corcunda que se afoga

para salvar o lindo herdeiro do vizinho.

Todo escritor acredita na valia do que escreve.

Si mostra é por vaidade. Si não mostra é por

vaidade também.

Não fujo do ridículo. Tenho companheiros

ilustres.

(Mário de Andrade -- Prefácio Interessantíssimo -- trechos)



Poemas da Amiga II



Si acaso a gente se beijasse uma vez só...

Ontem você estava tão linda

Que o meu corpo chegou.

Sei que era um riacho e duas horas de sede,

Me debrucei, não bebi.

Mas agora estou desse jeito,

Olhando quatro ou cinco borboletas amarelas,

Dessas comuns, brincabrincando no ar.

Sinto um rumor...

(Mário de Andrade - Poemas da Amiga - II)





Poemas da Negra III

Você é tão suave,

Vossos lábios suaves

Vagam no meu rosto,

Fecham meu olhar.

Sol-posto.

É a escureza suave

que vem de você,

Que se dissolve em mim.

Que sono...

Eu imaginava

Duros vossos lábios,

Mas você me ensina

A volta ao bem.

(Mário de Andrade - Poemas da Negra - III)

alesp