Passando verde e amarelo no "bushismo" ambiental

OPINIÃO - Arnaldo Jardim e Laura Tetti
02/06/2004 18:49

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O que o mundo nos oferece, hoje, nesta semana do Meio Ambiente de 2004?

De um lado, uma tremenda volta atrás.

Sem muita atenção da mídia nacional - mais atenta às práticas bélicas "bushistas" no Oriente Médio - a imprensa americana vem divulgando o enorme retrocesso que a atual administração tem promovido nas normas de controle ambiental dos EUA.

Além de propor a perfuração petrolífera em santuários ecológicos, e de se negar a aderir ao Protocolo de Kyoto (apesar de os EUA poluírem o mundo com mais de ¼ das emissões mundiais de gases de efeito estufa), Bush também contribui decisivamente para aumentar os níveis de intoxicação pulmonar da população americana.

Análises detalhadas demonstram que, em nome de contornar a crise energética e ajudar as grandes empresas de eletricidade, 30 anos de avanços obtidos com a política do "Clean Air Act" (Lei do Ar Limpo) estão indo por água abaixo. Isso porque novos regulamentos, talvez por humor negro, chamados de "Clear Skies Iniciative" (algo como "Iniciativa dos Céus Claros") autorizam o aumento, em cerca de 20%, dos gases tóxicos emitidos pelas empresas de energia que se baseiam, principalmente, no uso de combustíveis fósseis.

Mais do que uma pena, isso é um perigo, pois, vindo de um país dominante como os EUA, medidas desse teor alimentam, no resto do mundo, as ultrapassadas posições dos que defendem que a proteção do meio ambiente é um entrave ao crescimento da economia e ao desenvolvimento.

Mas, como nem tudo é completamente claro ou escuro, a fúria com que o atual presidente dos EUA se lança na defesa dos próceres do uso de combustíveis fósseis acaba por abrir espaço, cada vez mais objetivo, para a contestação - por razões econômicas e principalmente ambientais - do atual modelo de suprimento energético do mundo, que tem sua estrutura baseada nos finitos e poluidores recursos do petróleo, carvão mineral e no gás natural.

Este é o outro lado, o que aponta para o futuro.

Exemplo desse contraponto é o recente anúncio, do presidente da Rússia, Vladimir Putin, comunicando que seu país vai acelerar sua ratificação do Protocolo de Kyoto. Isso fará com que - finalmente - suas determinações, entrem em regime de cumprimento e execução em todos os países signatários (isolando ainda mais os EUA de George W. Bush).

Outra iniciativa internacional que merece destaque é a recente decisão do Parlamento alemão de aprovar uma lei que regulamentará o plano do país de diminuir suas emissões de gases de efeito estufa para cumprir o Protocolo de Kyoto. Assim, a Alemanha assume uma posição pioneira dentro da União Européia em relação às políticas de proteção ao meio ambiente.

Pelas regras do protocolo, usar combustíveis fósseis e poluir custa dinheiro e a opção pelas energias limpas e renováveis passa a ser uma necessidade financeira concreta, e não mais apenas uma demonstração de "bom-mocismo" ambiental.

Mesmo assim, não podemos esquecer que, se nos países desenvolvidos a situação caminha a passos de tartaruga, nos países mais pobres a questão ambiental é ainda mais grave. Nesses países, o meio ambiente está ligado diretamente ao desenvolvimento humano - e à pobreza. Além de cobrar dos países desenvolvidos, precisamos lutar para que se criem novos mecanismos de financiamento internacional de promoção ao meio ambiente e se reforcem os já existentes.

Aí entramos nós...

Por variadas circunstâncias históricas e geográficas e apesar dos nossos sérios e crônicos problemas sócio-econômicos, conseguimos edificar um país - único no mundo - que tem mais de 80% dos seus recursos energéticos baseados no uso de fontes renováveis e não poluentes.

No que diz respeito aos combustíveis líquidos derivados do petróleo (verdadeira pedra de toque para uma maior disseminação do uso das energias renováveis), conseguimos agregar à nossa agroindústria canavieira e ao uso do álcool combustível tecnologia, modernidade e competitividade.

Somos, incontestavelmente nessa área, um paradigma positivo e já reconhecido pela comunidade internacional.

Se, além da nossa capacidade de transferência de know-how e tecnologia, considerarmos nosso potencial de expansão no campo da agroindústria energética (inclusive com a incorporação do uso de biodiesel) não é difícil reconhecer que o Brasil tem nas mãos um produto de imenso valor e com um fantástico potencial de comercialização.

Além disso, temos tido iniciativas importantes que merecem ser destacas.

Já colocamos na mesa de negociações internacionais a proposta de um percentual mínimo de energia a partir de fontes renováveis para a composição da matriz energética.

Temos dois projetos aprovados oficialmente no País para participarem do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), do Protocolo de Kyoto, a fim de conseguir créditos de carbono. Ambos são das empresas Vega, em Salvador (BA), e Nova Gerar, em Nova Iguaçu (RJ), e envolvem projetos desenvolvidos em aterros sanitários para o aproveitamento do gás metano. Isso, sem falar no potencial da biomassa da agroindústria da cana.

A utilização do álcool combustível se alastra internacionalmente, principalmente com a tecnologia dos veículos "flexíveis"; e o Proinfa que criou uma referência internacional ao fomentar fontes alternativas de energia.

No atual contexto e conjunção internacional (ironias à parte), não é simples patriotada ou exagero considerar que podemos, sim, "pintar de verde e amarelo o bushismo ambiental".

Nesta semana do meio ambiente, neste conturbado ano de 2004, o que se destaca é que temos nas mãos um valor que é um verdadeiro diamante. Um grande diamante.

Precisamos perceber que o momento é agora e que, como país, não temos o direito de usar esse grande diamante como simples peso de segurar papel.



Laura Tetti - bacharel em história e ciências sociais pela USP, ex-diretora da Cetesb e consultora de meio ambiente - e-mail: tetti@amcham.com.br.



Arnaldo Jardim - deputado estadual (PPS-SP) - Coordenador da Frente Parlamentar pela Energia Limpa e Renovável

Engenheiro Civil, 49 (Poli-USP) - e-mail: arnaldojardim@uol.com.br

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