Aqui não é Las Vegas

Opinião
21/06/2005 20:48

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A legalização dos jogos de azar no Brasil envolve uma longa discussão, que já atravessa décadas. Essa falta de consenso, no entanto, não impede o crescimento de um forte movimento, patrocinado pelos exploradores do setor, para atrair cada vez mais público. Os bingos hoje, principalmente nas grandes cidades, estão se sofisticando a ponto de já parecerem verdadeiros cassinos.

O problema maior reside justamente no tipo de público atraído para os bingos. Em vez de buscar turistas ou gente endinheirada, com condições de absorver eventuais perdas nas mesas de jogos, essas casas seguem atrás de pessoas que se sentem atraídas pela possibilidade de ganhar dinheiro fácil, o que, como sabemos, nem sempre é verdade. Muitos deixam nas casas de jogos o pouco que ganham, seja com o trabalho ou mesmo com a aposentadoria. São pessoas que se tornaram dependentes das cartelas, que apostam tudo o que ganham. Para elas, a solução acaba sendo movimentos organizados para a recuperação de jogadores compulsivos.

Do outro lado do balcão, porém, estão as organizações dos donos de bingo, que não brincam em serviço e buscam formas inusitadas de atrair maior público para suas casas. Projetos arquitetônicos de primeira linha vêm dando aos ambientes o mesmo glamour dos cassinos de Las Vegas. Para fazer com que as pessoas permaneçam o maior tempo possível dentro dos estabelecimentos, a decoração é concebida para se ter a impressão de que o tempo não passa. Não se sabe se é dia ou noite. Algumas chegam à ousadia de simular uma chuva ininterrupta. Embora pareçam avançadas, são as mesmas técnicas utilizadas nos cassinos de Las Vegas nos Estados Unidos.

Não bastasse isso, os bingos também tentam pegar os jogadores pelo estômago. Tornou-se comum distribuir gratuitamente petiscos e até sanduíches nas mesas, como forma de manter a "fidelidade" do jogador. Água e refrigerantes também são liberados. Apenas as bebidas alcoólicas são cobradas, já que estas, se consumidas em grandes quantidades, podem "derrubar" os apostadores.

Em uma pesquisa realizada pelos donos de bingos junto a duas mil pessoas, ficou evidente a necessidade de se encontrar formas de levar para dentro de suas casas mais gente. Dos entrevistados, 84% responderam que nunca tinham entrado em um bingo. Destes, 65% disseram ser contra o jogo. Já entre a parcela que já foi a uma casa de jogos, o índice de aprovação beira os 100%. Os empresários fizeram a seguinte leitura da pesquisa: seria necessário atrair gente nova mesmo que, num primeiro momento, eles não jogassem. Ou seja, muitas casas de bingo oferecem restaurantes por preços bastante atraentes e até shows com artistas renomados.

Percebe-se que há um movimento muito bem organizado para tornar os bingos centros de atração da massa. É necessário, portanto, regulamentar a atividade de forma a não permitir a popularização indiscriminada do jogo. Os cassinos até poderiam ter seus lugares em determinadas regiões, ainda que confinados em hotéis de luxo, como forma de atrair turistas e divisas ao Brasil.

Mas vale salientar que não se quer, desta forma, inibir o direito garantido na Constituição de ir e vir de todos os cidadãos. É necessário, sim, preservar aqueles que, por pertencerem às classes menos favorecidas, não têm o devido acesso à informação. Dessa forma, acabam sendo presas fáceis dos aproveitadores de plantão. A regulamentação dos jogos, que não pode ser mais adiada sob pena de o Estado perder completamente o controle sobre a situação, precisa levar em conta estas questões sociais antes de mais nada. A tal regulamentação deve estabelecer que aqui não é Las Vegas.



*Romeu Tuma é deputado estadual (PMDB), presidente da Comissão de Defesa dos Direitos do Consumidor, membro da Comissão de Segurança Pública e corregedor da Assembléia Legislativa de São Paulo

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