Exposição comemora os 96 anos de Caio Prado Júnior


12/02/2003 19:51

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Da redação

A abertura da exposição "Caio Prado Júnior: Parlamentar Paulista", na Assembléia Legislativa, na noite de terça-feira, 11/2, foi marcada pela reverência e por lembranças saudosas da figura do historiador paulista, que faria 96 anos naquele dia. Amigos, familiares, parlamentares, funcionários da Assembléia e o público convidado viram fotos e documentos que traçam as diversas fases da vida de Caio Prado. Também prestaram-lhe homenagens e ouviram sua filha, Danda Prado, e sua esposa, Maria Cecília Naclério Homem.

Danda Prado não restringiu a homenagem ao seu pai, estendendo-a a todos os integrantes da bancada comunista de 1947, cassada naquele mesmo ano, após a decisão do governo Dutra de colocar o Partido Comunista na ilegalidade. Ela sublinhou que a bancada nunca recebeu as homenagens devidas e o reconhecimento de que a vontade da população de elegê-la foi desrespeitada por um ato antidemocrático. Danda trouxe aos convidados reminiscências da infância. Disse que numa ocasião, após a cassação dos mandatos, acompanhou seu pai em visita ao prédio da Assembléia Legislativa. Ao entrar, Caio Prado foi recebido pelos soldados militares com continência. O ex-parlamentar comentaria com a filha, "não sou mais deputado, mas eles continuam me prestando reverência".

A professora Maria Cecília Neclério Homem classificou a vida de Caio Prado Júnior como uma epopéia. Sublinhou as aventuras políticas do historiador e sua lealdade com relação ao partido e aos amigos.

O organizador da exposição e diretor do Acervo Histórico da Assembléia, Dainis Karepovs, destacou o importante legado intelectual de Caio Prado, lembrando que em um momento de sua vida buscou dar caráter prático à sua reflexão sobre o Brasil ao dar início ao trabalho parlamentar. Embora por um curto período, Caio conduziu na Assembléia Legislativa de São Paulo importantes debates sobre justiça tributária e a necessidade de se criar uma instituição de fomento à pesquisa científica no Estado.

Karepovs disse que a exposição na Assembléia tem entre seus objetivos oferecer uma pequena mostra da atuação intelectual e política de Caio Prado aos estudantes que todas as semanas visitam o Palácio 9 de Julho. A exposição está instalada, até o dia 14, no Hall Monumental, e deve continuar nas próximas semanas instalada no mesanino vizinho ao Hall.





Entrevista de Caio Prado Júnior concedida ao jornal Folha da Manhã, publicada no dia 4 de dezembro de 1954, em que fala sobre o Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo.

"SE TIVESSE SIDO CRIADA EM 1948, A FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA JÁ ESTARIA APRESENTANDO MUITO RENDIMENTO AGORA."



"Julgo a iniciativa essencial para promover o nosso desenvolvimento científico" - Fala sobre a regulamentação do artigo 123 da Constituição Estadual o Sr. Caio Prado Jr. - Adaptação das conquistas da cultura de outros países às condições brasileiras.

- "A criação de um organismo de amparo a pesquisa científica em São Paulo é um dispositivo constitucional. Por isso mesmo devia ser cumprido imediatamente". Foram estas as declarações iniciais feitas à reportagem da FOLHA DA MANHÃ pelo Sr. Caio Prado Jr., constituinte de 1947 e autor do primeiro projeto de criação da fundação de amparo à pesquisa, prevista pelo artigo 123 da Constituição Estadual. E completa:

- "A idéia da criação de fundos de amparo à pesquisa foi colocada na Constituição justamente para que não fosse abandonada. Não sei como explicar essa demora havida."

FUNDAÇÃO, FORMA IDEAL

Considerando, então, a forma de fundação apontada pela Constituição para o organismo de amparo à pesquisa, explicou:

"A forma adotada pela Constituição é a ideal. Não só livra o organismo, na medida do possível, das interferências políticas e burocráticas, como não o isola da ação governamental que, no caso, parece necessária."

"Há na realidade dois grandes erros que devem ser evitados ao criar-se a fundação de amparo à pesquisa. O primeiro e a restrição excessiva no campo de auxílio que o organismo venha a ter. Ele terá de ser amplo. Não se podem determinar de antemão, as pesquisas que se hão de fazer. É preciso que haja um grande liberalismo, a fim de que seja concedida oportunidade a qualquer pessoa que, realmente, possa realizar uma pesquisa. O outro perigo é o de transformar-se esse organismo em fonte de sinecuras, ou num núcleo de favoritismo na distribuição de bolsas e auxílios para pesquisadores. É preciso evitar que se formem igrejinhas ao redor desses fundos de pesquisas. É preciso abrir a oportunidade a quem quer que seja. Naturalmente, é necessária uma fiscalização muito rigorosa para evitar esses abusos. Parece-me, realmente, que qualquer pesquisa que se faça sob os auspícios da fundação terá de ser pautada por estas normas".

BOLSA DE AUXÍLIO

O Sr. Caio Prado Jr. reporta-se, então, ao projeto por ele apresentado na Assembléia Legislativa em 1947, para regulamentar-se o artigo 122 da Constituição. O que já se previa era a concessão de auxílio em forma de bolsas.

- "Não haveria nenhuma subvenção permanente - explica ele. - É esse um outro risco que, a meu ver, deve ser evitado. O fundo tem de destinar-se a pesquisas que não caibam dentro dos programas dos organismos já existentes para a pesquisa normal. A fundação deve ter por escopo auxiliar pesquisadores não enquadrados nos institutos e organismos que já realizam sistematicamente pesquisas. Deve destinar-se para o extraordinário, no campo da pesquisa científica. O estudo de um medicamento para cura do câncer não me parece, por exemplo, caso para intervenção da fundação, uma vez que já existem institutos para pesquisas em torno do câncer".

- "As bolsas de auxílio não precisam destinar-se, porém, apenas a indivíduos, mas às próprias organizações. Por exemplo, se o Instituto de Pesquisas Tecnológicas pretende realizar um trabalho fora de suas normas ordinárias, é claro que terá despesas extraordinárias. Poderá, então, nesse caso, contar com o auxílio da fundação, além das outras subvenções que receba permanentemente. É dessa maneira que funcionam os maiores órgãos de auxílio no estrangeiro. A Rockefeller, por exemplo, funciona assim. Parece-me muito importante esse critério num órgão desse tipo. Os organismos de pesquisas rotineiras excluem, de modo geral, quaisquer outras iniciativas. De modo que, se um indivíduo que não se integra nos quadros desses organismos vê a possibilidade de fazer alguma coisa no campo da pesquisa, sente-se isolado. Entretanto, esses "out-siders" têm trazido, inegavelmente, uma contribuição muito grande para o progresso da ciência. De sorte que um fundo de auxílio às pesquisas deveria destinar-se a abrir possibilidade para os nossos "out-siders".

É claro que é preciso ter em conta o perigo do charlatarismo. Para isso, a fundação deverá estudar a idoneidade do indivíduo que queira realizar uma pesquisa".

DEMORA LAMENTÁVEL

- "Não há dúvida de que, tratando-se e de um assunto inteiramente novo - continua o Sr. Caio Prado Jr. - somente a prática poderá introduzir na organização desses fundos de amparo às pesquisas inovadoras necessárias e vantajosas. Se tivesse sido criada já em 1948, por exemplo, essa fundação estaria dando muito rendimento agora. Por isso, a perda de tanto tempo é realmente lamentável".

A uma pergunta do repórter, o Sr. Caio Prado Jr. responde, de pronto:

- "Julgo essencial essa fundação para promover o nosso desenvolvimento científico".

TRABALHO DE ADAPTAÇÃO

Finalmente, o entrevistado detém-se a examinar o trabalho que a fundação prevista no artigo 123 da Constituição Paulista poderia realizar. Olha especialmente para a indústria, lembrando que, se um operário ou um técnico industrial qualquer tiver uma idéia boa, não encontra, nas nossas indústrias em geral oportunidade para pô-la em experiência. Por outro lado, os institutos já existentes são herméticos, tem seus quadros completos. De forma que a fundação, tendo a flexibilidade necessária com vistas ao trabalho científico, poderia aproveitar qualquer pessoa nessas condições.

"A ciência avança através de coisas pequeninas - argumenta o Sr. Caio Prado Jr. O trabalho científico não é feito pelos grandes nomes da ciência. O grande inventor, em geral, é um captador dessas pequenas coisas que vão surgindo do trabalho de pequenos pesquisadores."

"No Brasil, o trabalho científico, a meu ver, seria o de adaptar as descobertas da cultura de outros países às condições brasileiras. Seria fazer mais ou menos o que já realizou o Japão: adaptou a cultura européia e norte-americana às condições do Japão. Até mesmo no esporte os japoneses fizeram isso: criaram estilos novos dentro das modalidades que exigem grande estatura por exemplo. Na indústria e em todas as demais atividades econômicas, entre nós, deve ser feita a mesma coisa".

(Folha da Manhã. São Paulo, 4 de dezembro de 1954)

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