Opinião - Lições de humildade e exercício de democracia


05/12/2011 19:24

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"Sou radical até mudar de idéia." A frase do Dr. Sócrates, jogador brilhante e cidadão consciente que nos deixou na última semana, foi repetida nas homenagens prestadas por jornais e emissoras de rádio e TV. O que ela tem de notável, para além de ter sido pronunciada por uma pessoa que marcou gerações?

Expõe a humildade daqueles que, sem a covardia da omissão, colocam-se publicamente dispostos a ouvir, compartilhar e, quem sabe, mudar. Encontram-se abertos à construção coletiva. Na prática, é síntese da democracia: o regime em que as pessoas envolvidas participam, opinam, convencem e são convencidas.

Não por acaso Sócrates animou a democracia corinthiana. Uso o termo animar no lugar de criar, pois a criação quase sempre é ato solitário. E não foi isso o que aconteceu no Corinthians naqueles tempos, início da década de 1980. Os princípios defendidos pelo jogador convenceram colegas e dirigentes, e deu no que deu. O regime militar, contestado pelos metalúrgicos do ABC, setores da classe média e da Igreja, teve a incômoda surpresa de assistir à popularização dos termos democracia e direito à participação.

Os militares tinham prática em controlar o noticiário político, mas... quem diria: a conversa de liberdade entrou pela editoria de Esportes. Sócrates e seus colegas foram das reivindicações por intervir nas regras de disciplina e escolha da equipe técnica à mobilização por eleições diretas.

Não podemos dizer que devemos muito a Sócrates, porque aquele foi um momento de ação coletiva, em que muitos colocaram seu carisma a serviço da redemocratização. O que digo, reverenciando a memória do "Doutor", é que nós, servidores públicos com cargo eletivo, temos a obrigação de tê-lo como inspiração de humildade. Esta característica que o fazia tocar brilhantemente, até de calcanhar, a bola para, muitas vezes, um companheiro marcar o gol.

Uma lição e tanto que, se bem aprendida, evitaria que boas e necessárias leis se tornassem inócuas porque governantes responsáveis por sua implementação deliram, acreditando que podem fazê-lo sozinhos, sem envolver sociedade civil e outros entes federados.

Vejamos as leis que proíbem a venda de bebida alcoólica para adolescentes e a exposição de embalagens de cigarro em pontos de venda. Muito pertinentes, mas correm o risco de não "pegarem", porque o governo estadual não compartilha com prefeituras a tarefa da fiscalização.

Por mais boa vontade que os fiscais de órgãos públicos estaduais tenham, é impossível chegar a todos os estabelecimentos comerciais do estado. O que está acontecendo é que apenas nos locais centrais há fiscalização. As periferias, como de costume, ficam sem conhecer a ação do Estado.

Podemos dizer que são leis para as equipes de TV verem, e registrarem imagens que não se repetem longe dos holofotes.

Na última semana, a Alesp aprovou lei de minha autoria que prevê multa aos fornecedores que atrasarem a entrega de produtos ou serviços, a ser paga aos consumidores prejudicados. A ideia é estimular a venda responsável, tornando mais horizontal a relação entre consumidores e fornecedores, e aguarda sanção do governador.

Mas, sabemos, este objetivo só será alcançado se a existência da Lei for difundida. Para tanto, precisamos atuar colaborativamente com os formadores de opinião. Procuramos contribuir com os direitos de cidadania, mas elaborar uma lei é apenas o início de uma jornada que deve ser compartilhada com diferentes setores, independentemente de autoria... exercício de humildade, oferecido nestas linhas em homenagem ao Doutor.

Valeu Sócrates!



Saudações Petistas e São Paulinas



*Geraldo Cruz, deputado Estadual pelo PT

alesp