O Interesse Público

Opinião
26/02/2003 18:50

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Arnaldo Jardim*

As críticas recentes do presidente Lula às agências reguladoras mostram-se incoerentes com a busca da democratização do Estado brasileiro.

O Brasil passou - e ainda passa - pelo processo de reforma do Estado, diante da falência do modelo interventor de velha tradição. A mudança, porém, foi feita às pressas, sem planejamento, o que resultou em falhas que levaram à reedição de distorções semelhantes às anteriores. O projeto de Estado minimalista transformou-se em modelo privatista, à mercê das forças de mercado, sem o equilíbrio que deve ser estabelecido por instâncias que façam valer o interesse coletivo.

Quem se opôs a esse modelo permissivo ganhou as eleições de 2002, conquistando a confiança do eleitorado ao propor um modelo mais planejado e voltado ao crescimento econômico e à melhor distribuição de renda.

Não podemos, porém, nesta mudança de foco "jogar a criança fora junto com a água suja", afinal, não foram as agências que definiram os modelos de privatização e concessão do governo passado. Foram, na verdade, criadas a toque de caixa para suprir a necessidade de normatização de serviços públicos privatizados. E como tudo que é feito às pressas apresenta mais defeitos, com as agências reguladoras não seria diferente.

Mas, antes de descartá-las, é preciso observar seu papel na administração e na fiscalização dos serviços públicos, deixando para o Executivo a função de estabelecer as políticas setoriais. Bem estruturadas, as agências reguladoras dão mais transparência ao Estado, numa posição de independência necessária para uma economia livre e equilibrada.

É preciso aperfeiçoar estas agências, afinal são recentes e devem ser melhoradas. Para tanto, destaco algumas tarefas urgentes:

· precisar seu conceito, principalmente no que se refere ao papel reservado ao Executivo, dotando-as de uma estrutura jurídica mais uniforme e menos contraditória;

· conceder total autonomia para que elas possam desvencilhar-se do Executivo e das injunções da "velha" política partidária, que cria feudos por meio da distribuição de cargos aos "amigos do rei";

· qualificar seus técnicos, treinando e remunerando dignamente seus funcionários, com a criação de quadros que não sejam facilmente capturados pelo poder econômico;

· estabelecer um critério transparente, discutido e aceito pela sociedade, de indicação dos seus dirigentes;

· implantar a quarentena, que já está fixada em lei federal e estadual, para impedir que um dirigente, ao fim do seu mandato, transfira-se imediatamente para empresas que, até então, controlava e fiscalizava, o que precisa ser efetivamente respeitada.

· proceder à descentralização, com a transferência de função das agências nacionais para os estados e municípios (através de agências estaduais ou locais por convênios);

· aperfeiçoar seu arcabouço jurídico, para garantir que as sanções aconteçam de fato e que tenham força legal para modificar condutas irregulares das empresas que controlam.

Entre o Estado interventor e o permissivo, os brasileiros procuraram uma solução mais equilibrada, que garanta o fornecimento e a qualidade dos serviços públicos. E, nesse ponto, as agências reguladoras podem dar uma contribuição de peso para a sociedade.

*Arnaldo Jardim é deputado estadual, engenheiro civil e representante da Assembléia Legislativa no conselho consultivo da Artesp - Agência Reguladora dos Transportes de São Paulo

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