O preto da nossa bandeira -OPINIÃO


12/11/2004 18:00

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Romeu Tuma*

Sob o pretexto de garantir investimentos no departamento de futebol do Corinthians, o suspeito grupo MSI, que tem entre seus investidores um nome ligado à máfia russa, apresentou-se à mídia esportiva brasileira como a grande salvação de um dos maiores clubes nacionais, o Corinthians. Foi armada a tela para exibir um velho filme tragicômico, já passado em outros clubes do futebol brasileiro. Mas, apesar da onda festiva sobre o negócio, desta vez o filme deve ter um final feliz porque, agora, creio, pude deixar claro que esses aventureiros só querem usar a grandiosidade do nosso futebol para lavar dinheiro. É como se quisessem tirar o preto da nossa bandeira.

Não foi apenas por ser conselheiro do Corinthians ou delegado de polícia que me mantive contra o empreendimento e me empenhei em defender o futebol nacional. Tenho a responsabilidade para com o mandato de representação popular, que recebi nas urnas. Mantive contatos com a Interpol e revelei as suspeitas que cercam um contrato nunca apresentado ao Conselho Deliberativo do clube, em uma evidente manobra para aprovar tudo às pressas, o que felizmente não deu certo. O papel desempenhado pela imprensa e pelos meios de comunicação foi de grande importância para a divulgação do caso. Agora, o Corinthians está perto de se livrar de companhia tão perigosa.

Essa preocupação em defender a instituição popular do esporte contra o ataque de meliantes não é nova. A primeira coisa que fiz na Assembléia Legislativa de São Paulo, em março de 2003 foi entrar com o pedido de instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar os desmandos do futebol paulista. Mas, lamentavelmente, nenhum pedido de CPI foi aprovado e nenhuma CPI foi instalada nesta legislatura, até agora. Mais de um ano e meio depois, o assunto que envolve a moralidade de um esporte de massa, que mexe com a vida do cidadão, volta às manchetes esportivas de modo suspeito. O que está em jogo não é o futuro de um time, mas sim o respeito ao futebol brasileiro pentacampeão mundial, que ainda corre o risco de servir de fachada para negócios espúrios.

Acionei a Interpol, polícia internacional da qual já fiz parte, além de outros órgãos de informação, para levantar um dossiê sobre esses aventureiros, travestidos de empresários e investidores, que, em nenhum momento, conseguiram ser convincentes sobre seus propósitos na parceria com o Corinthians. Não é por acaso que os aventureiros abordaram o Corinthians, um clube de tradição, mas em crise, como tantos outros no futebol brasileiro.

Quem, no início da década de 80, se arriscaria a colocar em dúvida a idoneidade da empresa italiana Parmalat, grande multinacional do setor alimentício, que financiou um dos times mais vitoriosos na história do Palmeiras? Se alguém previsse que, dez anos depois, a Parlamat estaria no noticiário policial em todo o mundo, seria chamado de louco. O caso Parmalat comprovou, mais uma vez, que nada cai do céu, que é preciso examinar com muito cuidado propostas mirabolantes que envolvam dinheiro fácil. Hoje, há a convicção de que o dinheiro utilizado para promover o futebol daquele time palmeirense era , como é este, que tenta se lavar no Parque São Jorge.

O Santos já passou por isso mais recentemente, quando veio à tona o escândalo que envolveu a empresa Alpha Club, um mal explicado grupo que tinha como objetivo garantir ganho fácil aos associados. Pior ocorreu entre a Lousano, que chegou até a roubar o nome do Paulista, de Jundiaí, e teve até a prisão de seu proprietário decretada sob a acusação de sonegação fiscal e formação de quadrilha. Ou seja, o estado de São Paulo está cheio de exemplos de empresas que usaram o futebol para mascarar contas deficitárias ou atividades ilícitas.

Em 2001, o Congresso Nacional deu, por meio da CPI do Futebol, um importante passo para a moralização de um esporte que é fonte inesgotável de alegria popular e responsável pela movimentação diária de milhões de dólares no país. No entanto, poucos foram os desdobramentos práticos desta investigação. Neste instante, ao me manter claramente contrário ao suposto negócio milionário que cerca o Corinthians, pois esse valor é inferior ao que o clube já arrecada hoje com publicidade, saio, mais uma vez, em defesa do futebol brasileiro. Procuro o esclarecimento definitivo desta e de todas as relações entre clubes, dirigentes e empresários de jogadores.

A expectativa por soluções que colaborem para o fim da corrupção não é apenas dos torcedores e freqüentadores de estádios. O esporte, se bem administrado, pode ser fonte de divisas para o país e parte importante das alternativas sociais para uma juventude cercada pelo tráfico de drogas e pela violência. Aviso que não desistirei de lutar sempre para manter esses aventureiros longe da paixão nacional brasileira pelo esporte. E longe da bandeira do Corinthians, que não servirá para lavar nada, exceto a alma do povo.

*Romeu Tuma é deputado estadual pelo PPS, integrante e ex-presidente da Comissão de Segurança Pública da Assembléia Legislativa de São Paulo.

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