Não foi só o discurso que mudou

OPINIÃO - José Caldini Crespo*
03/09/2003 14:10

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Tenho dito em entrevistas e debates que o presidente Lula tem toda a condição para fazer as mudanças de que o Brasil precisa. E mais: tenho afirmado que se ele não fizer, nenhum outro será capaz, pelo menos nos próximos 20 anos, ou seja, até daqui a cinco mandatos. Não votei no presidente Lula, mas me curvo à força dos votos por ele recebidos e das alianças que o levaram a ocupar a presidência da República. Mas algo tem me preocupado, e muito. Lula recebeu todos aqueles milhões de votos não apenas por ser quem é, mas pelo que disse, ou melhor, pelo que prometeu.

Seus milhões de eleitores e até de não eleitores como eu esperam que suas promessas sejam cumpridas. Infelizmente não é o que se mostra.

O discurso mudou. E os atos têm acompanhado as mudanças de discurso. Lula prometeu valorizar os funcionários públicos, categoria responsável por boa parte de seus votos. Não é o que se tem visto. Usando como justificativa a isonomia entre os trabalhadores e comparando juiz a cortador de cana, o presidente quis por bem retirar direitos adquiridos dos funcionários, aumentou a idade para a aposentadoria e, conseqüentemente, o tempo de contribuição previdenciária, entre outras alterações.

Aos que esperam por um aumento, já demonstrou que continuarão esperando. Além disso, funcionários de carreira têm sido preteridos em cargos de chefia em prol de indicados pelos vários partidos que fazem parte das alianças firmadas.

A classe média e o empresariado, sem os quais o presidente não alcançaria sua vitória, também ouviram um discurso e hoje ouvem outro. Boquiabertos acompanham a lenta queda das taxas de juros e a rápida ascensão dos tributos e das taxas. O brasileiro paga muito imposto que, somado às taxas e contribuições, engole mais de um terço do seu salário.

Micro e pequenos empresários estão quebrando e os médios e grandes se encontram assustados com tantos tipos de taxas. E não é só o empresariado que se encontra em dificuldade. Prefeituras estão quebrando. Aqueles que teriam condições de gerar emprego e, por conseguinte, renda para o trabalhador brasileiro - as micro e pequenas empresas e o serviço público - se encontram em dificuldades.

A tão propalada melhoria na distribuição de renda também já dá mostra de que não será feita de acordo com o que se disse que seria.

O governo federal já cortou diversos programas que vinham funcionando e, pelo que li na imprensa, deu um jeito de diminuir o número de miseráveis do país, reduzindo de R$ 100 a renda por pessoa para R$ 50 por pessoa para ser considerada pobre. Explico: até agora, eram consideradas miseráveis e, portanto, candidatas a integrar o Fome Zero, as famílias cuja renda fosse de até R$ 100 per capta. No governo Lula, para ser miserável a miséria tem que ser maior, ou seja, a família ter uma renda mensal de até, no máximo, R$ 50 por pessoa.

Das 9,3 milhões de famílias consideradas pobres pelo senso 2000, por receber menos de meio salário mínimo, e até o início deste governo alvo das políticas de transferência de renda, apenas R$ 7,6 milhões deverão ser atendidas pelo governo Lula.

Isso não apenas vai contra uma promessa de campanha do presidente. Em seu discurso de posse, Lula se comprometeu a garantir o direito a três refeições diárias aos pobres do Brasil. Os pobres brasileiros, reduzidos à custa de artifícios matemáticos, continuam aguardando. Com fome.

*José Caldini Crespo é deputado estadual pelo PFL e membro da Mesa Diretora da Assembléia Legislativa de São Paulo.

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