UMA ASSEMBLÉIA PARA TODOS - OPINIÃO

Walter Feldman*
31/05/2001 15:04

Compartilhar:


Os atenienses eram tão obcecados em garantir a participação dos cidadãos nas assembléias que decidiam os destinos da cidade que no período do auge de Atenas a pólis pagava uma pequena quantia a todos que deixassem seus afazeres para participar das deliberações. A despeito da limitação da cidadania a apenas uma pequena parte dos habitantes - homens livres de origem ateniense - e do fato de os recursos para este estipêndio vir de outras cidades dominadas pelo imperialismo ateniense, a iniciativa não deixava de definir com precisão uma democracia com a preocupação minuciosa de prover acesso a todos seus membros.

A Democracia Representativa não se limitou a restringir a participação do conjunto dos cidadãos através da delegação aos representantes eleitos. Logo os Estados autoritários descobriram o poder de pressão das comunidades urbanas nas quais estes parlamentos estavam localizados. As primeiras vitórias desta pressão popular - como a Revolução Francesa e a Comuna de Paris - ensinaram as elites receosas que os parlamentos não podiam ficar à mercê desta pressão. Independente de esta pressão ser a legítima manifestação de uma sociedade organizada ou a fúria de alguma turba, não foi com boas intenções que a geopolítica se imiscuiu também no espaço urbano para controlá-la.

Criaram-se então avenidas largas, capitais distantes e outros artifícios similares visando isolar o centro de decisão das grandes concentrações urbanas e garantindo condições de repressão efetiva. A Assembléia Legislativa em parte foi vítima desta mentalidade, poder legislativo do estado demográfica e economicamente mais importante, está situada a uma distância razoável das regiões com maior densidade urbana e cercada de grandes vazios.

No final esta distância espacial também se tornou uma distância subjetiva, longe dos olhos - e às vezes do coração - da população paulistana, como observou reportagem recente do Diário Popular. Para agravar este distanciamento a Assembléia nunca esteve perfeitamente integrada no seu entorno, em especial o Parque do Ibirapuera.

A persistência desta situação é incompatível com o espírito democrático do Legislativo Paulista. É preciso criar o hábito dos paulistas de acompanharem os debates da Assembléia, tanto pela TV Assembléia como ao vivo, além de demonstrar à imprensa a qualidade e significância dos debates aqui realizados.

Algumas destas mudanças são bem complexas, só podem ser pensadas a longo prazo, mas outras na verdade são bem simples. Cito por exemplo a inclusão de placas indicativas para a Assembléia, inexplicavelmente inexistentes e já solicitada à SPTrans. Também cabe destaque a idéia do Parlamento Jovem, implementada durante a gestão do deputado Vanderlei Macris (PSDB) e que já colhe bons frutos, merecendo ser ampliada também para outras faixas etárias.

Mas há um outro conjunto de medidas que a Assembléia deve tomar para ser fiel à preocupação minuciosa dos gregos com a participação dos cidadãos. É necessário que além de se estimular a ligação entre a Assembléia e a população que se dêem condições efetivas para que qualquer cidadão que deseje freqüentar o Legislativo tenha condições de fazê-lo.

Para que esta norma seja realmente cumprida, é necessário que ela seja interpretada literalmente, adequando todo o ambiente do Legislativo Paulista à recepção de todos os cidadãos, incluindo aí os portadores de qualquer tipo de deficiência. Só com esta preocupação tão minuciosa como a dos gregos se poderá realmente dizer que a Assembléia está aberta ao público.

Enquanto persistirem as barreiras arquitetônicas e físicas, uma parcela significativa da população estará na prática sendo excluída da sua condição de cidadão. Este é um dos desafios que a Mesa da Assembléia se propõe a enfrentar, com o apoio dos deputados portadores de deficiência, todos eles com forte atuação na luta pela igualdade de condições de acesso.

Além de cumprir este requisito básico da democracia, espera-se que com esta medida o Legislativo também estará cumprindo sua obrigação de dar exemplo ao poder público e à iniciativa privada. Papel que não pode deixar de desempenhar.

*Walter Feldman, 47, médico, é presidente da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo.

alesp