OPINIÃO - Chamem o doutor


05/04/2005 16:25

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Uma mentira tantas vezes dita acaba, como sabemos, adquirindo ares de verdade. Não por acaso, anos atrás, o poeta Paulo Vanzolini cometeu um belo samba em que recomendava à amada o exercício diário do auto-engano. O autor de "Ronda" pedia à musa que repetisse o tempo inteiro que o amava, na esperança de que acabasse se convencendo de uma paixão inexistente.

O poeta nunca veio a público para dizer se a dona de seu coração seguiu seus conselhos. Mas o presidente Lula da Silva, após anos de bravatas e metáforas, parece ter perdido o tino. Salvo engano " e vamos lhe dar o benefício da dúvida ", está absolutamente convencido da veracidade das mentiras que lhe contam os áulicos do Palácio do Planalto e da cúpula petista.

Dias atrás, em Aracaju, indiferente às vaias e aos xingamentos de "maior traidor do Brasil", garantiu em alto e bom som que, em dois anos, seu governo investiu em saneamento básico 14 vezes mais que a administração anterior nos seus quatro anos. A afirmação, claro, não se sustenta. Dados oficiais, do Siafi " Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal ", revelam justamente o contrário: que nos dois últimos anos (gestão Lula) o governo gastou no setor o equivalente a cerca de 10% do que foi gasto em 2001 e 2002, último biênio da gestão FHC.

Afinal, o presidente mente deliberadamente ou ignora, por isso mente sem saber?

Esta não é uma questão menor. Se ele mente conscientemente, estamos diante de alguém que não é digno de confiança. Sua palavra, portanto, não vale coisa alguma, visto que não tem nenhuma correspondência com a realidade. Se ele mente porque não tem paciência para ler relatórios e discutir e cobrar responsabilidade dos ministros, estamos diante de alguém que, quando muito e se tivesse um pouco de compostura, poderia representar o papel de príncipe numa monarquia européia.

A falação de Aracaju não foi um fato isolado, infelizmente. Nos últimos dias, a mídia tem denunciado o crescimento dos gastos do governo federal com publicidade, com despesas de custeio e com o pagamento de novos funcionários em cargos de comissão. A tal da reforma ministerial pode servir a todos os pretextos, menos ao que dela deveria resultar: em maior competência gerencial, na implantação de parte ao menos das promessas de campanha. Não obstante, a indigência de seu governo " hoje cantada em prosa e verso por vários analistas ", o presidente mostra-se convencido de que realiza uma administração impecável, como jamais se teve abaixo da linha do Equador.

Paranóia ou mistificação? Com a palavra, os psiquiatras.

*Milton Flávio é médico e deputado estadual pelo PSDB-SP

miltonflavio@al.sp.gov.br

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