UM SISTEMA SEM EDUCAÇÃO - OPINIÃO

Hamilton Pereira*
17/12/2001 15:00

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É possível imaginar que, no Brasil, exista um estudante com 15 anos de idade que saiba ler, mas não entenda o que está lendo? Sim, é possível, como ficou demonstrado na avaliação do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), em que o Brasil ficou em último lugar entre 32 países, em prova que mediu a capacidade de leitura de estudantes de até 15 anos, independentemente da série em que estivessem matriculados.

Mais absurdo é acreditar que o próprio ministro da Educação, Paulo Renato Souza, tenha dito esperar "desastre pior". Mas, por incrível que pareça, esta frase foi expressa por ele, estampada na maioria dos jornais brasileiros e que retrata a triste realidade em que se encontra o ensino no País, hoje.

Vou mais longe: esse é o retrato da forma de governar do PSDB, em que seus representantes não querem enxergar o que está diante de seus olhos, como se não existissem problemas nas áreas de educação, saúde, segurança e outras. Também não aceitam sugestões quando elas vêm de outros políticos interessados que não façam parte de seus quadros.

Para exemplificar, apresentei o projeto, que se transformou na lei n.º 10.312, criando o Programa de Combate à Violência nas Escolas, interagindo com a comunidade e contando com o apoio de grupos multidisciplinares. Além de ter sido mutilado em sua essência pelo Poder Executivo, que vetou vários artigos, foi apropriado e ganhou o nome de "Parceiros do Futuro", mas abrange apenas cerca de 100 escolas localizadas na Grande São Paulo, quando minha iniciativa tem alcance estadual, visando abrir as escolas para a sociedade de seu entorno nos finais de semana como um espaço cultural, de lazer e de esportes.

Tenho convicção de que só melhoraremos o País se investirmos na criança, no adolescente, com uma formação integral, com um sistema de educação mais justo e abrangente - não absurdos como a progressão continuada, que apenas joga os alunos de uma série para outra sem que tenham aprendido o necessário. E a avaliação do Pisa demonstrou que boa parte de nossos estudantes com 15 anos de idade não entende o que lê.

E essa constatação fica cristalina quando se utiliza outro critério de avaliação, que é o nosso Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Em uma escala de 0 a 100, os alunos, em 2001, alcançaram, em média, 40,5 pontos na prova objetiva, composta por 63 questões de múltipla escolha; na redação, foram atingidos 52,5 pontos. Tradução: ao terminarem o ensino médio, não dominam plenamente a gramática nem a língua escrita.

No caso do ensino superior, o "provão" do Ministério da Educação e Cultura (MEC) só prova que as instituições privadas são pródigas em abrir cursos em profusão, sem capacidade para formar seus alunos. O Exame Nacional de Cursos, que avalia os universitários, demonstrou, após cinco anos, que nem pagando alguns alunos obtêm um mínimo de aprendizado em áreas específicas; o MEC suspendeu o vestibular e o ingresso de novos alunos em doze cursos de matemática e letras.

Não tem jeito: pau que nasce torto, morre torto. A universidade é apenas a ponta final de um sistema incoerente. Se não se consegue produzir estudantes nos níveis básico e médio com capacidade de raciocínio e compreensão de texto, jamais teremos uma grande maioria de brasileiros com nível superior adequado, em condições de concorrer no mercado nacional e capacitar o Brasil à disputa acirrada da economia internacional.

Estive recentemente em Cuba e pude verificar a importância da formação integral do ser humano. Lá, o ensino é público, obrigatório e garantido a todos. Ninguém fica fora da escola e a responsabilidade é tanto do Estado quanto dos pais em encaminhar seus filhos para estudar. A partir de avaliações individuais e constantes, os estudantes são encaminhados aos cursos superiores que mais se adequam a seu perfil escolar.

Após formados, esses estudantes são incentivados à pesquisa em instituições públicas e hoje o mundo já se rende à qualidade de estudos desenvolvidos em Cuba na área da saúde e agropecuária, com o desenvolvimento de vacinas e tratamentos para doenças consideradas "incuráveis" até pelos cientistas de Primeiro Mundo. Talvez devêssemos nos inspirar um pouco nesse sistema de ensino que dá certo.

O artigo "Gaiolas e Asas", publicado na coluna Tendências/Debates do jornal Folha de S. Paulo e de autoria do educador, psicanalista e professor emérito da Unicamp, Rubem Alves, retrata bem o atual estágio do ensino brasileiro. Cito um trecho para nossa reflexão: "Há escolas que são gaiolas. Há escolas que são asas. Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do vôo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser."

*Hamilton Pereira (PT) é deputado estadual e 1º Secretário da Mesa Diretora da Assembléia Legislativa de São Paulo

alesp