OPINIÃO: Cem gatinhos, sem cotas


10/03/2005 14:16

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Durante a inauguração do novo campus da USP, na zona leste da capital, onde vivem cerca de 4,5 milhões de pessoas, cerca de cem gatos pingados fizeram um protesto contra o nada. Ou melhor, um protesto contra aquilo que há de mais valioso na história de um cidadão: o mérito. O que queriam aqueles meninos e meninas? Queriam cotas, reserva de "mercado". Uns e outras exigiam, entre várias coisas, que o novo campus oferecesse aos alunos cursos de medicina, direito e engenharia. Queriam também que 80% das vagas fossem reservadas aos moradores da região. Blasfemavam porque, ali, não havia espaço garantido nem para negros nem para estudantes de escolas públicas. Pleiteavam ainda asfalto e regularização de terrenos. Não verbalizaram, mas é lícito imaginar que também gostariam de ver Luiz Inácio mais quatro anos no poder. Há gosto para tudo.

É preciso informá-los de que o estatuto da USP a impede de manter dois cursos iguais numa mesma cidade. Em sendo assim, para abrir um curso de direito na zona Leste, o do Largo de São Francisco, por exemplo, teria que ser fechado. O de engenharia da Poli, por sua vez, teria que ser transferido (quem sabe?) para o município de Nipoã. A faculdade de medicina bem que poderia, na visão simplista de uns e outras, mudar de mala e cuia para a deliciosa Águas de São Pedro. Tudo muito simples, como se vê.

De nada adiantaria expor aos jovens protestantes que: 39% dos aprovados para os novos dez cursos da USP têm renda familiar abaixo de R$ 1.500,00/mês; 47% cursaram o ensino médio em escola pública; 21% são negros; 31% moram na zona Leste. Ouvidos moucos têm tudo a ver com bocas loucas. A pouca informação, aliada à inexperiência e à falta de reflexão, costuma levar as pessoas a equívocos medonhos. Até porque, se mais não fosse, defender o sistema de cotas é algo que qualquer ingênuo, em nome de uma suposta justiça social, pode fazer. Não custa nada e lava a alma, embora nada resolva.

Faço minhas as palavras do reitor da USP, Adolpho José Melfi: "O importante é ampliar o número de vagas nas universidades públicas (nos diferentes cursos e no período noturno, em especial), mas o critério (de seleção) continuará sendo o do mérito". E que assim seja. Não se trata de ignorar as injustiças sociais, a discriminação racial, a fragilidade do ensino público. Muito pelo contrário. Trata-se, isto sim, de identificar a origem dos problemas e atacá-la com vigor, para que eles sejam verdadeiramente superados.

Antes de tudo, é preciso que a educação pública de qualidade seja de fato uma prioridade nacional. Que os governos das três esferas de poder, pressionados pela sociedade, somem recursos e esforços para melhorar o que precisa e pode ser melhorado. É bom que se diga que as três universidades públicas de São Paulo " USP, Unicamp e Unesp ", apesar de suas limitações orçamentárias, têm feito esforço significativo para ampliar o número de vagas e cursos. Só não vê quem não quer.

*Milton Flávio é médico, professor de Medicina da Unesp (Botucatu) e deputado estadual pelo PSDB-SP

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