O BRASIL DA LAMPARINA E O GOVERNO DE OUVIDOS MOUCOS - OPINIÃO

Renato Simões*
06/06/2001 16:16

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O governo federal tem adotado uma postura absolutamente injustificada. O presidente Fernando Henrique Cardoso, depois de seis anos como presidente, tem dito que não lhe avisaram sobre a possibilidade de entrarmos numa fase aguda da crise energética. Diz o presidente Fernando Henrique Cardoso que a dimensão da crise escapou à compreensão do governo. Que o governo não esperava a profundidade do dilema energético. E agora, corre atrás do prejuízo. Em que pese o fato de que inúmeros trabalhos acadêmicos, manifestações de sindicatos e apelos de empresários terem sido feitos nos últimos anos para que o governo federal, traçasse os rumos de uma política energética de interesse nacional, o presidente da República demonstra que não é o seu forte ouvir aquilo que a sociedade fala. Mas o presidente da República não ter conhecimento de um assunto debatido por duas comissões permanentes do Congresso Nacional há pouco menos de um ano atrás, que apontaram as causas e as possíveis dimensões da crise energética, aí já é brincar com a sociedade. É o caso do relatório Colapso Energético no Brasil e Alternativas Futuras. Trata-se de um estudo realizado por duas comissões permanentes da Câmara dos Deputados - a Comissão de Minas e Energia e a Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias.

Essas duas comissões produziram, com a participação de especialistas, acadêmicos, empresários, intelectuais, lideranças setoriais e sindicais, um amplo diagnóstico do problema energético do país. Apresentaram alternativas que, se adotadas há um ano, nos teriam livrado, não só do "apagão", como destas medidas de racionamento, que penalizam o conjunto da sociedade, pela falta de planejamento e de investimentos do setor energético, tanto público, quanto privado.

Outro comportamento inaceitável e oportunista é do senhor Antônio Ermírio de Moraes. O empresário faz críticas ao governo e à oposição, apresenta a oposição como igualmente responsável pela crise energética. É claro que o senhor Antônio Ermírio, governista de plantão que apoiou sucessivos governos deste país desde a ditadura militar até o presente momento, precisava limpar a sua barra com o Planalto, atacando também a oposição. Diz o senhor Antonio Ermírio que o governo é o principal responsável, mas que, ao longo deste período, a oposição só fez fofoca e não teria apresentado alternativas à crise energética.

Não sei onde estava o senhor Antônio Ermírio de Moraes durante este seminário realizado em junho do ano passado, no Congresso Nacional. Mas o senhor Antônio Ermírio de Moraes, se tivesse ido ao seminário, teria ouvido de um dos grandes especialistas na questão energética brasileira, o professor Ildo Sauer, da Universidade de São Paulo, alguns comentários a respeito da responsabilidade de segmentos empresariais, particularmente da indústria de alumínio, sobre a degradação do sistema energético brasileiro.

O senhor Antônio Ermírio de Moraes disse durante uma entrevista para uma grande emissora de rádio que as grandes empresas transnacionais tentam abocanhar o mercado energético nacional. Nisso ele tem razão. Também tem razão quando fala que o capital privado precisa investir na geração de energia para subsidiar a sua própria atividade produtiva. Segundo o vice-presidente do Grupo Votorantim, este grupo seria responsável por 50% da geração da energia que consome, o que seria quase o dobro da média internacional do setor de alumínio. Pois bem. Diz o professor Ildo Sauer: "Chamo a atenção para esses dados: o consumo brasileiro de não ferrosos, essencialmente alumínio, é significativo em termo de terawatt/hora. A indústria de alumínio é responsável, hoje, por 8% da atual demanda de energia elétrica e em geral paga tarifas muito baixas, subsidiadas, que estiveram na berlinda há algum tempo e foram esquecidas. Precisamos discutir as tarifas e a manutenção da energia para esse uso". O professor Ildo Sauer fala de algo que a sociedade brasileira tem questionado há muito tempo, ou seja, de como os grandes produtores de alumínio consomem fatia considerável da produção energética nacional e, contrariamente à imensa maioria dos consumidores individuais, privados, familiares, contam com tarifas absolutamente subsidiadas por toda sociedade.

Dados divulgados sobre a evolução da tarifa residencial da energia elétrica ao longo dos anos do governo Fernando Henrique Cardoso demonstram que a energia elétrica que todos pagamos nas nossas residências já sofreu, ao longo desses anos, reajuste da ordem de 150%. Portanto, superior a todos os índices de inflação e a todos os indicadores macro-econômicos. Não foi o que aconteceu com a tarifa específica do setor industrial de alumínio do senhor Antônio Ermírio de Moraes, que acusa a oposição de não ter feito a lição de casa. Basta uma passada de olhos no relatório para ver que os deputados da oposição foram os que mais falaram e apresentaram alternativas no seminário do Congresso Nacional.

Se o governo federal tivesse aceito a convocação feita pelo Congresso Nacional no dia 14 de junho de 2000, portanto, há um ano atrás, com certeza o presidente da República não ficaria pateticamente diante da opinião pública brasileira, dizendo que não sabia da real dimensão do problema. Mesma atitude, aliás, tomada pelo governador Geraldo Alckmin, ele próprio responsável pelo maior programa de privatizações do setor elétrico já havido no país, levado a efeito pelo governo de São Paulo através do Programa Estadual de Desestatização, coordenado pelo então vice-governador, hoje governador, Geraldo Alckmin.

Enquanto as autoridades olham perplexas para as conseqüências da sua irresponsabilidade, a sociedade paga não só financeiramente, como também na qualidade de vida e na sua própria segurança, os riscos do "apagão" e colapso energético. O Congresso Nacional fez a sua parte. O governo federal precisa encontrar-se com a sociedade para explicar porque o Executivo foi leniente, irresponsável e conivente com os interesses dos grandes grupos econômicos que abocanharam o setor energético, deixando a população do Estado de São Paulo e do Brasil com o risco da escuridão, a escuridão dos propósitos daqueles que hoje nos governam.

Renato Simões é deputado estadual pelo PT e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de São Paulo

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