Opinião - Bola de futebol: presente do passado


25/05/2012 18:39 | Vitor Sapienza

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*Outro dia ouvi, em um campo de várzea, um jovem pai todo feliz dizendo que havia comprado um uniforme de um grande time e uma bola para o filho de cinco anos. Então, aproveitando a ocasião, perguntei aos demais esportistas que assistiam a um jogo, quantos deles haviam dado uma bola de presente a uma criança, nos últimos anos. E, para a minha surpresa, dentre as mais de quinze pessoas participantes na conversa, praticamente todas haviam comprado pares de tênis, computadores, tablets, skate e bicicleta. Apenas um havia dado uma bola de presente.

Cinco minutos depois, um desses pais passou a criticar um jovem atleta que havia perdido uma jogada de maneira ingênua. E ele concluiu dizendo que, como atleta, o jovem não teria futuro. Confesso que não contestei as palavras do torcedor, e nem teria motivos para tanto, afinal desde os tempos de criança aprendemos e praticamos o velho ditado de que o torcedor fala o que quer.

Não contestei, mas citei o fato de que tivemos que perder uma Copa do Mundo em casa, jogamos fora outra, na Suíça, para depois, com muito talento e um pouco de organização, chegarmos ao título de campeões do mundo. Depois repetimos o feito no Chile, erramos novamente em 1966, para assumirmos a condição de donos do melhor futebol do mundo, liderando o ranking da Fifa por anos a fio.

Certa vez, ouvi um cantor dizer que chegar à fama não era difícil. Segundo ele, muito mais difícil era permanecer na crista da onda, mantendo o sucesso. E somos obrigados a aceitar isso também no esporte. Acostumados a ser tachados de melhores do mundo, deitamos em colchão macio, tapamos os ouvidos para as críticas e fechamos os olhos para a realidade.

E hoje, além de não sermos mais os melhores do mundo, temos que aceitar uma colocação no ranking típica de países com pouca tradição no esporte, e ainda temos que ficar preocupados sempre quando a nossa Seleção entra em campo, seja num jogo contra os grandes times do mundo, ou contra seleções inexpressivas de qualquer continente.

E perguntamos: Onde está o erro? E temos que admitir que as respostas são várias: O excesso de profissionalismo fez com que jogadores medíocres passassem a receber tratamento de grandes craques; atletas de grande potencial viraram deuses; empresários, muitas vezes de índole duvidosa, ditam normas e influenciam na escalação de equipes, ou mesmo na convocação para a Seleção Nacional; uma legislação que inibe ou tira o incentivo do clube na preparação e revelação de craques; dirigentes incompetentes ou mal intencionados; treinadores envolvidos em atos pouco recomendáveis no esporte.

Assim, enquanto vamos acumulando erros e acertos, nos resta esperar pelo sucesso das tais escolinhas, muitas delas transformadas em caça-níqueis, ou confiarmos na visão de alguns olheiros que perambulam por aí, garimpando possíveis talentos. Nessa somatória de adversidades, ainda temos a preocupação em deixarmos os filhos soltos nas ruas, a falta de campos na periferia para a prática do esporte e a dolorida constatação de que já não se dá bola para as nossas crianças. Em todos os sentidos.

* Vitor Sapienza é deputado estadual (PPS), presidente da Comissão de Ciência, Tecnologia e Informação, ex-presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, economista e agente fiscal de rendas aposentado.

"O excesso de profissionalismo fez com que jogadores medíocres passassem a receber tratamento de grandes craques"

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