Opinião " Impunidade ao usuário ou ao traficante?


12/06/2012 11:59 | Fernando Capez*

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É temerária, do ponto de vista da eficácia no combate ao narcotráfico, a posição de descriminalizar a posse de pequena quantidade de droga. Dentre as várias mensagens que o poder público pode enviar à sociedade, essa certamente não se inclui entre as mais recomendáveis. Fica difícil explicar a um jovem que é errado usar droga, se a lei não se incomoda com a sua aquisição ou detenção para uso, dependendo do número de pacaus, pedras ou papelotes. No Brasil, as leis já são confusas por incompetência do legislador. Pelo nosso Código Penal, estuprar uma adolescente no dia em que ela completa 14 anos é menos grave do que violentá-la no dia seguinte. Portar uma arma de fogo na rua sem licença da autoridade é mais grave do que tentar assaltar uma pessoa com essa arma.

A diferença é que, agora, não se trata de mera incompetência, mas de opção do legislador. Será muita informação desencontrada para a fragilizada mente do usuário rumo à autodestruição! Como ensina o penalista alemão Günther Jakobs, eu só posso dizer que uma pessoa errou um cálculo aritmético se eu lhe mostrar qual é a conta certa. A lei deve estabelecer um mecanismo de comunicação com a sociedade, por meio do qual devem ficar bastante delineados os limites entre o que é benéfico e o que é nocivo. Quando tais linhas se entrelaçam, criando uma zona cinzenta, ocorre perplexidade na cabeça do jurisdicionado, que perde a nitidez quanto à perniciosidade de certos comportamentos. Se existe um crime que não combina com o princípio da insignificância, este é o crime relacionado à droga, dados seus deletérios e devastadores efeitos físicos, psicológicos e morais.

Atualmente, é crime a detenção de droga para uso posterior, qualquer que seja a quantidade. Não é punido com prisão, não dá processo, a pena é de prestação de serviços à comunidade, mas é considerado crime pela lei. Agora, pode não ser mais. A Comissão Especial que elabora o anteprojeto do novo Código Penal pretende descriminalizar a pequena quantidade de entorpecente (até o equivalente a cinco dias de consumo). Nesta hipótese, presume-se que o sujeito é apenas usuário, mediante um corte abstrato e arbitrário, fixando-se previamente o limite até o qual ele não pode ser incomodado pelo Estado.

As quadrilhas voltadas ao narcotráfico já têm a estratégia pronta e preparada: basta distribuir a quantidade permitida por lei por meio de pequenos traficantes, que atuarão como tentáculos da organização. Ao serem surpreendidos, presumir-se-á que eles são usuários e não mercadores de drogas, não respondendo por crime algum. Uma cautela a mais dos chefes das quadrilhas: é melhor recrutar pessoas ainda sem antecedentes criminais para trabalhar com o tráfico, a fim de que pareçam mesmo "inocentes" usuários e não microtraficantes. Será uma grande vitória do tráfico de drogas. Os traficantes agora só esperam que esse sonho de impunidade vire realidade.



*Fernando Capez, procurador de Justiça licenciado, é professor de direito penal e deputado estadual pelo PSDB.

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