Opinião - Comparações esportivas


11/10/2012 15:53 | Vitor Sapienza*

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Ainda outro dia vi as imagens da Seleção Brasileira chegando ao estádio, para a grande decisão da Copa de 1958, na Suécia. A principal marca era a simplicidade de pessoas humildes, craques até então desconhecidos, muitos ainda preocupados em saber se a notícia havia chegado ao Brasil, dando conta de que eles poderiam apagar a frustração vivida oito anos antes, no Maracanã.

As imagens em preto e branco retratam craques conscientes do que poderiam fazer e, acima de tudo, compenetrados na missão de mostrar ao mundo o que de melhor havia no futebol. O título veio, foi repetido em 1962, no Chile, e, não fosse a desorganização, fatalmente teríamos o tricampeonato em 1966.

Na Copa seguinte, o país mostrou ao mundo aquela que foi considerada a melhor seleção de todos os tempos, embora muitos acreditem que o time de 1982 fosse ainda melhor. Reconheço que era um timaço, mas compará-lo com o de 1970 é um engano.

De 1958 a 1982, com exceção de 1966, percebe-se que o time era um todo, dentro e fora de campo. Os atletas desembarcavam do ônibus esbanjando a mesma alegria que seria mostrada logo em seguida, no gramado. Em que pese a disputa pelos lugares no time titular - algo salutar em uma equipe -, percebia-se a participação, a brincadeira, a amizade, o "espírito moleque" que caracterizou os áureos tempos do nosso futebol.

Dentro de poucos dias teremos alguns amistosos da nossa atual seleção. Bem sei que o que escrevo será redundante, e facilmente notado. O time vai desembarcar de um ônibus executivo, cada atleta tentando reinar em seu mundo, fones nos ouvidos, equipamento eletrônico nas mãos e o pensamento no mundo dos euros, no marketing pessoal, no contrato publicitário para mostrar a marca das chuteiras, a etiqueta da camiseta, das luvas, das meias, dos bonés.

A amizade, se existe, fica fora do campo. Ali é terra de cifrões, e dane-se aquele que durante a partida irá se desdobrar, ou irá alimentar o ego deste ou daquele tal craque. A máquina publicitária desconhece amizade, espírito de grupo, parceria.

Antes de iniciar o jogo, nada melhor que atrair a atenção, amarrando as chuteiras, ou tomando aquele energético com o rótulo voltado para os olhos das câmeras. Depois, seguidas simulações de faltas, quedas mirabolantes para atrair os olhares eletrônicos, e a perpetuação da imagem na televisão. Colarinhos levantados, meias bem acima dos joelhos como se isso os protegesse de esfolamentos comuns nos campos de terra.

Campos de terra. Foi assim que nasceu o futebol moleque, autêntico, que encantou o mundo. Agora, pseudocraques, albergados por empresas de todos os segmentos, ditam normas, condutas e são praticamente protegidos durante todo o tempo, dentro e fora dos campos. Dentro, eles representam o faturamento das empresas que investem no esporte. São preservados e intocáveis. Fora do campo, representam um patrimônio que os obriga a viver cercados por seguranças.

Percebe-se que, até o momento, falei apenas do meio, não falei do fim. O fim é o esporte, o futebol. Mas ele ficou para depois, afinal há muito deixou de ser esporte e passou a ser negócio. Um negócio palpável desde o dia que o menino é visto em qualquer canto, em qualquer escolinha. E deixa de ser um humano, e passa a representar cifrões.

E a partir de então, somam-se talento, preparo físico e intenso trabalho de bastidores, envolvendo empresários, dirigentes e familiares. Azeitada a máquina, em breve teremos mais um craque a serviço de um grupo de pessoas com interesses dispersos.

No império dos cifrões predomina uma linguagem própria, que nem sempre é a mesma do povo. E jamais será, porque o povo quer distração, autenticidade e não gosta de ser enganado. Mas, apesar disso, precisa estar preparado. A Copa está aí, e pelo andar da carruagem, pode ser que o dono da festa não consiga comer o bolo.



*Vitor Sapienza é deputado pelo PPS, presidente da Comissão de Ciência, Tecnologia e Informação, ex-presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, economista e agente fiscal de rendas aposentado.

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