Opinião - Candura cibernética


08/02/2013 11:32 | Vitor Sapienza*

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Vai-se distante o tempo que um grande pensador dizia que o Brasil daria ao mundo o homem cordial. Sempre achei bonito o termo "cordial". E às vezes o achei ideal para substituir outro, "candura". Sei que esses termos soam como antigos, ultrapassados, linguagem de idosos, algo incomum para a juventude acostumada à tecnologia e aos avanços cibernéticos.

Sempre ouvimos dizer que o papel aceita tudo. "Em partes", direi eu, pouco adepto dessa linguagem cibernética. Quem aceita tudo é o computador, em que pese o rigor com que reage, sempre que tocamos a tecla errada, e ele não nos obedece. No tocante à linguagem técnica ele é rígido, e não permite nada além do estipulado nos seus programas. Predomina a sua vontade, e ele reage à sua maneira, simplesmente deixando de cumprir as nossas ordens.

No entanto, no que se refere ao conteúdo das mensagens veiculadas, não existe a mínima restrição. A máquina não dispõe de filtros, nem de métodos que impeçam os absurdos ali veiculados. E é exatamente aí que mora o perigo. E a isca está lançada, à espera do incauto navegador do mundo eletrônico.

Alheio aos perigos a que se expõe, o incauto internauta fica à mercê do crime embutido na falsa mensagem voltada para a pedofilia, no vandalismo cibernético, na falsa imagem criada para iludir ou vender personagens irreais em busca informações pessoais que poderão ser usadas pelos desonestos de plantão. Somado a isso, ela traz outra realidade, truncada, absurda e certamente maléfica às regras do idioma e aos, digamos, bons costumes.

Enquanto cria e expande uma linguagem própria, concisa, cheia de novos códigos, todos voltados para a maior velocidade do canal de informações, o sistema torna rotineira a linguagem chula. E o palavrão sai do computador com a mesma normalidade, com a mesma rotina em que é pronunciado nas ruas, nos lares, nas escolas e, em alguns casos, até nos meios de comunicação. E, quase que automaticamente, joga por terra a afirmação de que teremos o tal cidadão cordial.

Na busca por mensagens cada vez mais cifradas, resumidas, o adepto da tecnologia transgride as regras do idioma, cria um novo vocabulário. E de erros em erros ele vai se adequando a uma forma de se expressar, pouco ou nada preocupada com aquilo que foi ensinado nas aulas de português.

Sei que alguns educadores começam a aceitar essa prática como um avanço da comunicação, esquecendo-se ou fingindo esquecer que a realidade da tecnologia, pelo menos até agora, não foi traduzida para os dicionários, a ponto de criar novas regras.

E é exatamente aí que podemos detectar o problema. Ao contrário dos computadores, nem sempre o papel aceita tudo. E exemplos podem ocorrer em um teste para uma empresa, ou em uma redação para vestibular. Se o papel aceita a linguagem cibernética na redação, talvez o mesmo não ocorra com o responsável pela correção das provas. E aí não há cristão que aguente os absurdos.

E como o hábito faz o monge, como diziam no passado, os monges atuais não serão aprovados no primeiro teste para uma vida pouco ou nada relacionada com a religião. E, feitas as contas, quando perguntamos que país estaremos deixando para as futuras gerações, temos que aceitar uma pergunta paralela, que sempre nos coloca na defensiva: "E que espécie cidadão estamos preparando para esse futuro?".

E, respaldados no que vemos e ouvimos hoje, infelizmente fica difícil dar boas notícias aos interessados na resposta, e muito menos garantir a existência do tal homem cordial.



*Vitor Sapienza é deputado estadual (PPS), presidente da Comissão de Ciência, Tecnologia e Informação, ex-presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, economista e agente fiscal de rendas aposentado.

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