Opinião: Veto é iniciativa viciada do Executivo

Dos projetos aprovados pela Assembleia, 90% são vetados pelo governador, que alega vício de iniciativa
19/03/2013 19:37 | Geraldo Cruz*

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"Seria cômico se não fosse trágico". Assim é encerrada a apresentação da página Agência de Notícias da Assembleia Legislativa do Geraldo Alckmin (Analga), perfil encontrado no Facebook desde fevereiro de 2013. A iniciativa, segundo os responsáveis, tem o objetivo de prestar serviço à população paulista ao publicar, em tempo real, os vetos do governador Geraldo Alckmin aos projetos de lei aprovados na Assembleia Legislativa. E utiliza a estratégia do humor, com a devida ressalva inicialmente colocada da tragédia política que vive o Estado de São Paulo.

Falta aos governadores do PSDB, há 20 anos no comando deste Estado, a crença de que a separação e autonomia entre os poderes são vitais para a democracia. Embora jurem respeito à ordem democrática quando assumem seus cargos, se recusam a respeitar as instituições legitimamente constituídas durante o mandato.

Como publicado na imprensa em fevereiro, 90% dos projetos aprovados pela Assembleia são vetados pelo governador. E não se pode dizer que haja privilégios para a bancada governista. Esse índice de rejeição à ação parlamentar atinge todos os partidos.

Ainda assim, o governador conta com a complacência cega da maioria dos deputados, e segue tranquilo, devidamente blindado, na instalação de CPIs. Sua base de apoio impede que o Parlamento exerça sua função fiscalizadora sobre o Executivo, e a população continua sendo extorquida, por exemplo, com pedágios rodoviários abusivos e licitações suspeitas na FDE, entre outras mazelas que deveriam ser investigadas pela Assembleia, não fosse a subserviência em relação ao governo estadual.

Os vetos, invariavelmente, têm a mesma redação e são justificados pela inconstitucionalidade. Em que ferem a Constituição federal ou estadual esses projetos? Sem julgar o mérito da proposição, os benefícios que trarão para a população ou o bem que farão para as políticas públicas, o governador alega vício de iniciativa. O termo assusta, mas significa apenas que o Legislativo tomou uma iniciativa que, segundo a interpretação do governador, só ele poderia tomar.

Durante dois mandatos na prefeitura de Embu das Artes, me deparei com situações como essas. Vereadores e vereadoras apresentando projetos de lei que poderiam ter sido elaborados pelo prefeito. Minha atitude sempre foi avaliar o benefício que a proposta traria para a população da cidade, e sancionar ou vetar segundo esse critério.

No caso do governador, o vício de vetar parece, à primeira vista, mera vaidade. No entanto, não é só isso. Se o governador estivesse ocupado em melhorar as condições de vida no Estado e, ao mesmo tempo zelar por suas prerrogativas constitucionais, poderia copiar os projetos " mudasse as vírgulas, se quisesse " e apresentar como de sua autoria.

Enfim, para a população, pouco importa quem redigiu a proposta, mas sim os resultados positivos que trará. Por isso, no biênio que se iniciou no último dia 15/3, temos a expectativa de que os poderes Legislativo e Executivo aceitem trabalhar juntos pelo bem de São Paulo.

Isto inclui, do lado do Legislativo, assumir sua autonomia, apreciando e votando os vetos do governador e analisando a instalação de CPIs segundo seu mérito. E, do lado do governador, desempenhar seu papel com mais responsabilidade e compromisso público, e menos vaidade e parcialidade nas decisões.

Democracia é coisa séria. Milhares de pessoas perderam suas vidas para salvaguardá-la. Cabe aos governantes e legisladores, representantes do povo, deixar de inspirar piadas e trabalhar dignamente.



*Geraldo Cruz é deputado estadual pelo PT

alesp