Opinião: O cuidado com a coisa pública

Nada pior para qualquer gestão, especialmente a pública, do que a falta de transparência
17/07/2013 18:02 | Geraldo Cruz*

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Todo cuidado com a coisa pública nunca é demais. Esta frase pode parecer óbvia, mas quando observamos alguns fatos da gestão pública no Estado de São Paulo, especificamente na área da Saúde, o óbvio são os sentimentos de ultraje e revolta.

Uma reportagem na edição de maio, 54, da revista Adusp (Associação dos Docentes da USP) revelou a ligação do secretário estadual de Saúde, Giovanni Guido Cerri, com duas fundações privadas que, credenciadas como organizações sociais de saúde (OSS), mantêm contratos que somam mais de R$ 1 bilhão com o governo do Estado, por meio da mesma secretaria em que ele está à frente. A Fundação Faculdade de Medicina (FFM) é responsável pela gestão do Hospital das Clínicas de São Paulo (HC). Com a nomeação de Cerri como titular da pasta da Saúde, ele tornou-se "presidente licenciado" do Conselho Curador da FFM. Já no Hospital Sírio-Libanês " que constituiu a OSS Instituto de Responsabilidade Social Sírio-Libanês ", o atual secretário é membro do Conselho de Administração, do corpo clínico e chefia o setor de radiologia.

Nada pior para qualquer gestão, especialmente a pública, do que a falta de transparência. E quando os fatos comprovam que há um conflito de interesses entre o público e o privado, podem pairar dúvidas sobre a necessária neutralidade dos gestores e a total transparência dos seus atos.

Nesse sentido e cumprindo meu papel de fiscalizar os atos do Executivo, expedi um requerimento de informação à Secretaria de Estado da Saúde em que solicito esclarecimentos quanto à atuação das OSS que gerenciam os hospitais gerais Pirajussara " administrado pela Sociedade para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM) " e de Itapecerica da Serra, sob gestão do Serviço Social da Indústria da Construção e do Mobiliário do Estado de São Paulo (Seconci). Julgo que seja do interesse público que saibamos, por exemplo, não só o valor dos convênios, como também os critérios de distribuição desses recursos por especialidades atendidas e quais são as demandas. Tais informações se fazem ainda mais necessárias pelo fato de essas OSS não terem Conselho Gestor com participação popular, o que a meu ver é antidemocrático e contraria os princípios de transparência e integridade na gestão pública que defendo.

Outro fato já de conhecimento público e também lembrado na reportagem é a crescente atuação das OSS na gestão da saúde pública paulista, como parte da política do governo Alckmin. Segundo a revista, o Portal da Transparência do Estado aponta que as despesas com atendimento médico e hospitalar pagas às OSS saltaram de R$ 2,90 bilhões, em 2010, para R$ 3,26 bilhões em 2011 e chegaram a R$ 3,53 bilhões em 2012. E o repasse de recursos feito pela Secretaria da Saúde a essas instituições conveniadas poderá ser 35,5% superior em 2013.

Por práticas como essas percebemos que há um alarmante processo de privatização da saúde em São Paulo. No caso do HC, por exemplo, o governo do PSDB já destina mais de 30% dos leitos para particulares ou clientes de convênios privados, e só não estendeu esse modelo a outros hospitais por força de uma ação judicial do Ministério Público Estadual (MPE). Fico imaginando quantas pessoas que não têm condições de pagar um plano de saúde precisaram ocupar esses leitos, mas não estavam disponíveis.

Sem desconsiderar fatores como a competência técnica dos profissionais que atuam nessas instituições, não posso me furtar, como parlamentar do Estado e representante da população, a criticar a falta de transparência do governo que comanda São Paulo há mais de 20 anos. Daí a preocupação que o atual secretário da Saúde tenha relação com instituições privadas conveniadas a sua pasta. Ressalto, ainda, que é preciso que tenhamos a política pública da transparência. Por essa razão elaborei o projeto de lei de transparência dos dados da educação (PL 1.087/2011), infelizmente vetado pelo governador.

Diante de fatos como esses, é legítimo que a população se preocupe com a privatização do sistema de saúde pública no Estado de São Paulo. E, mesmo repetindo o óbvio, todo cuidado com a coisa pública nunca é demais...

*Geraldo Cruz é deputado estadual pelo PT.

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