Opinião - O novo contorno da Tamoios

As obras devem ocorrer para atender as pessoas, e não só uma parte delas. Não obstante o princípio da prevalência do interesse público sobre o privado, isso não pode ocorrer com uso da força contra os mais pobres
15/10/2013 16:36 | Marco Aurélio*

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Na campanha eleitoral de 2002, o então candidato à reeleição a governador, Geraldo Alckmin (PSDB), prometeu em campanha a obra de duplicação da rodovia dos Tamoios. Passados quatro anos de governo, foi eleito seu sucessor, do mesmo partido, que afirmou não ter encontrado nem projeto da referida obra. Oito anos depois, Alckmin retornou com a mesma promessa. A obra começou em 2013, portanto, 11 anos após o primeiro anúncio. Antes tarde do que nunca, pensei.

Para nossa surpresa, durante audiência pública em São Sebastião, o governo apresentou um traçado de pista ligando Caraguatatuba ao porto de São Sebastião, passando por dentro de um bairro, com centenas de desapropriações.

Após manifestação da comunidade e de lideranças populares e políticas, alterou-se o traçado, mesmo assim com mais de cem desapropriações. O governo anunciou que os que tinham título de propriedade seriam indenizados pelo valor de mercado e os que não tinham entrariam em projetos habitacionais do Estado. Ocorre aí um triplo prejuízo, pois as pessoas indenizadas dificilmente conseguiriam comprar outro imóvel em São Sebastião; os que entrassem em projeto habitacional ficariam sem saber onde morar até concretizar a referida ação e os que ficassem teriam seus imóveis desvalorizados, pois, como o novo trecho da rodovia é do tipo "minhocão", muitas casas ficariam sob a rodovia, com barulho e poluição. Do ponto de vista arquitetônico, um desastre.

Inconformados, os moradores continuaram firmes no propósito de resistir a essa injustiça social, deixando claro que nenhuma desapropriação aconteceria de forma pacífica.

O que nos impressionou é que esta realidade não sensibilizava o governador, como não o sensibilizou o fato de dezenas de estudantes serem prejudicados com a interdição da rodovia dos Tamoios. Os estudantes, moradores do Litoral Norte e alunos de universidades em São José dos Campos, foram obrigados a sair antes do fim das aulas, para, ao retornar às suas casas, não ficarem presos na rodovia. E olha que para isto se resolver bastaria alterar em 30 minutos o horário da interdição.

Voltando ao trecho em discussão " Caraguá-São Sebastião " diversas forças políticas se somaram à força popular da comunidade, e o deputado federal Carlos Zarattini (PT) agendou uma reunião com Sérgio Machado, presidente da Transpetro, onde estive presente, assim como o prefeito de São Sebastião e diversas lideranças do movimento, para levar até aquela empresa do Governo Federal um pedido para que cedesse ao Estado uma área para permitir nova alteração no traçado, evitando desapropriações. Após estudos, a Transpetro respondeu positivamente. Agora cabe ao governo estadual executar a obra sob novo traçado, de forma que nenhuma desapropriação ocorra. Vitória da organização popular e de todas as lideranças, que se colocaram ao lado das pessoas, enquanto o governo do Estado pensou, tardiamente, apenas na obra.

As obras devem ocorrer para atender as pessoas, e não só uma parte delas. Não obstante o princípio da prevalência do interesse público sobre o privado, isso não pode ocorrer com uso da força contra os mais pobres. Já tivemos Pinheirinho, caso clássico em que o Estado se posicionou claramente a favor de um grande empresário " Naji Nahas.

Políticos eleitos não são donos do poder, mas pessoas revestidas de uma força representativa da sociedade, que é composta por ricos e pobres. Essa diferença, aliás, só existe por políticas excludentes praticadas há séculos no Brasil, interrompidas pelo recente processo democrático pós-Constituição de 1988.

*Marco Aurélio é deputado pelo PT

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