Opinião: Utopia moderna

Aqueles que pagam os impostos e sabem quanto custa manter a pesada e inoperante máquina governamental
16/10/2013 17:19 | Vitor Sapienza*

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Três séculos antes de Cristo, o filósofo grego Platão, traçava aquela que seria, a seu ver, a república ideal. Nela havia um paralelismo entre moral e política, em uma sociedade composta por três segmentos: os dirigentes, os guardiões e os artesãos e homens de negócio. Aos dirigentes caberia o comando da sociedade, cuja responsabilidade seria dada aos magistrados e os filósofos, que seriam os donos da razão. Os guardiões seriam os guerreiros, e representavam a coragem. Por último, artesãos e homens de negócios seriam os responsáveis por suprir a sociedade com o apetite sensual, ou seja, a nutrição, conservação e reprodução.

Muitos séculos depois, Thomas Morus escreveu o ensaio Utopia, que foi traduzido para o inglês em meados do século 15. O autor criava uma ilha imaginária onde homens e mulheres seriam senhores de seus atos, e viveriam em paz consigo mesmos. O povo estaria subordinado a um Estado justo e igualitário, teria uma vida equilibrada e feliz. Seria um Estado baseado no socialismo econômico e na tolerância religiosa, onde todos seriam acolhidos, independentemente de crenças religiosas. Apenas não teriam lugar os que negassem a existência de Deus e a imortalidade da alma, porque, segundo o autor, eles não seriam dignos de viver em um estado perfeito.

No Brasil de hoje, a República, de Platão, e a Utopia, de Thomas Morus, têm muito mais do que algumas coincidências. Pelo menos na visão do nosso governo. Ele nos quer fazer ver que vivemos no país ideal, onde todos são acolhidos, a economia aponta um grande crescimento, o nível de emprego está em alta e a saúde pública está resolvida depois da importação de médicos.

Nas repetitivas palavras do governo, o nosso nível de ensino está entre os maiores do continente, e apenas a intolerância preocupa; não a intolerância religiosa, mas aquela que fustiga as pessoas de bom senso. O que preocupa é a falsa mensagem de que, depois dos protestos de junho, a coisa voltou ao normal.

Há muito o nosso governo vestiu a fantasia do filósofo, do dirigente dono da razão, certamente sem ter consciência do que Platão defendeu, quase quatrocentos anos antes de Cristo; mas isso não vem ao caso. O importante é o que ele diz para o povo, a um custo cada vez maior, por meio da mídia, tentando incutir em nós, contribuintes, uma realidade muito diferente do que vemos todos os dias nas ruas.

Platão seria o mais feliz dos pensadores, e se sentiria realizado vendo os nossos filósofos e magistrados comandando a nação. O mesmo não poderia dizer ao notar o quão desprestigiados estão os nossos guardiões, resultado de uma revanche dissimulada, enquanto os demais acumulam frustrações, pagando um preço muito alto para que a utopia governamental mantenha-se cada vez mais nítida.

Na nossa Ilha da Fantasia, o conceito de "governo justo" cabe apenas quando regredimos no tempo e citamos o ensaio de Thomas Morus. Sim, porque nos nossos dias a inoperância, os gastos excessivos e a publicidade nos colocam em uma posição muito diferente do que o pensador apregoou. A tal "vida equilibrada e feliz" pode perfeitamente oxigenar a ilusão de muitos incautos, mas há muito deixou de iludir aqueles que pagam os impostos e sabem quanto custa manter a pesada e inoperante máquina governamental.

*Vitor Sapienza é deputado estadual (PPS), ex-presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, economista e agente fiscal de rendas aposentado.

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