Opinião - Ídolos contraditórios


21/11/2013 12:02 | Vitor Sapienza*

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Aos poucos, a polêmica sobre a publicação de biografias vai deixando as manchetes. O assunto foi alvo de muitas discussões, e colocou em cheque a postura de algumas pessoas consideradas ídolos, pelo menos daquela juventude que, durante os anos de chumbo, deixou influenciar positiva ou negativamente o seu gosto musical. Não vamos, aqui, discutir a importância artística dessas pessoas; fiquemos apenas com as suas contradições.

A liberdade que temos, hoje, nos permite expressar a nossa opinião e nos dá, também, a responsabilidade sobre as nossas manifestações. Alguns dos que foram contrários à publicação de biografias foram as grandes vozes no passado, falando em defesa de uma liberdade que nos custou caro. E essa contradição acaba nos jogando contra a definição e a até postura do que é, e o que deveria ser um ídolo.

Na verdade, a nossa concepção de ídolo anda um tanto desgastada. Vai-se distante o tempo em que tínhamos pessoas mundialmente reconhecidas, tanto no esporte como na política, na música, na pesquisa, na medicina, na arte. Pessoas dignas de ser copiadas, seguidas, invejadas. Faltou renovação? Pode ser. E essa resposta pode ser estendida como resultado de duas décadas de opressão, cujos sintomas podem ser perfeitamente detectados.

O movimento militar de 1964 de fato impediu que surgissem novas lideranças políticas, mas permitiu também que determinados nomes sobrevivessem longos períodos fazendo sucesso, um sucesso que em muitos casos se estende aos nossos dias. A diversidade de meios que dispomos hoje facilita a criação de ídolos, em vários segmentos, muitas vezes sem o devido respaldo do talento, da criatividade, cultura.

Muitos ídolos que temos e que tivemos recentemente são ou foram frutos de intensas campanhas publicitárias, algumas focadas na pessoa do ídolo em si, ou no trabalho indireto, onde o produto que ele divulga o associa a um sucesso mais comercial do que artístico. E isso atinge principalmente os ídolos do esporte, onde muitos deles, mesmo sem representar tudo o que nos querem impingir, chegam ao estrelato, tanto em clubes de grande porte, ou mesmo em seleções.

Uma sociedade acostumada a idolatrar pessoas medianas, muitas vezes tachadas como mito, terá pouco a aprender com elas. Sim, porque seres vazios, por mais que se esforcem, mais dia menos dia, terão que mostrar o seu conteúdo. Assim, na hora da verdade, certamente estarão expondo a dupla frustração. Dupla porque os que aplaudiram, mesmo os mais incautos, poderão contestar a qualidade do que foi mostrado. E ele mesmo, o tal ídolo, na hora de verdade poderá sentir que o brilho do sucesso que pode ter sido fugaz, e pagará o preço da imagem fabricada, sem conteúdo.

Esta é, sempre a primeira morte, a mais dolorida, quando ele sairá de cena, sem os aplausos que acreditava serem sinceros. A segunda morte virá depois, e certamente não será tão dolorida quanto a primeira...

Vitor Sapienza é deputado estadual (PPS), ex-presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, economista e agente fiscal de rendas aposentado. Acesse: www.vitorsapienza.com.br

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