Opinião - O retrocesso e a barbárie


14/02/2014 09:58 | Marco Aurélio*

Compartilhar:


O que distingue o homem de um bicho? Essa é fácil, podem dizer: a capacidade de pensar, por isso o homem é chamado de animal racional. Com essa capacidade é que o homem chegou a descobertas que ajudaram em sua evolução: a roda, manipulação do fogo, geração de energia elétrica etc. Mesmo com tantos avanços ainda nos surpreendemos com retrocessos e casos de barbárie que nos distanciam de uma verdadeira civilização.

Como não classificar dessa forma a onda de justiçamento, a chamada "justiça com as próprias mãos", protagonizada por grupos que acreditam ser um poder paralelo, impondo suas próprias leis?

Diversos casos têm chamado a atenção sobre essa polícia do B, mas um em especial chocou pelo flagrante desrespeito aos direitos humanos. No Rio de Janeiro, um jovem, supostamente infrator, foi espancado, torturado, tendo uma parte da orelha cortada e, detalhe ainda mais estarrecedor, foi preso pelo pescoço com uma trava de bicicleta, completamente nu, em um poste. Ao ver aquele adolescente negro amarrado e exposto como foi, impossível não se lembrar de um pelourinho e do vergonhoso passado de escravidão.

E quanto temos informações sobre o caso mais assustados ficamos com a brutalidade e a irracionalidade sem limites. A artista plástica que se compadeceu do rapaz e chamou o Corpo de Bombeiros para libertá-lo está sendo ameaçada de morte pela internet. Uma total inversão de valores: ter compaixão pelo próximo passou a ser motivo de ódio e a virar alvo de bandidos que se dizem justiceiros.

Em entrevista ao Fantástico, da TV Globo, a artista comentou que não quis saber se se tratava de infrator ou não, ela disse que viu "um menino preso a um poste como se fosse um pau de arara", situação degradante que despertou sua solidariedade.

Na mesma reportagem, um dos integrantes do grupo de justiceiros, sem mostrar o rosto, explicou como é a ação: "A gente sai em ronda, dá uma lição de moral, impõe respeito pra cima deles (suspeitos) e depois libera, como se nós fôssemos os policiais do bairro. Já aconteceu de gente ficar machucada, sangrando, um com braço quebrado e outro desmaiado".

Ao ser questionado pela repórter se em casa os pais sabem o que faz, respondeu que não, mas foi peremptório ao dizer que se soubessem o apoiariam, pelos comentários que ele ouve em casa. O "justiceiro" afirmou ainda não se arrepender de seu ato: "Depois que a gente faz isso se sente em paz, como se tivesse com o dever cumprido".

A fala fria e sem qualquer traço de arrependimento pode chocar quem defende princípios humanitários, mas infelizmente encontra eco em setores conservadores. Com estupor, vimos a âncora de telejornal do SBT dizer, em horário nobre, que "prender um "marginalzinho" é até compreensível", devido à ausência do Estado. Uma flagrante incitação ao ódio e à violência, além de total desrespeito sobre o que diz o Estatuto da Criança e do Adolescente. Algo temerário a ser dito em qualquer lugar, mas em se tratando de uma emissora de televisão que é uma concessão pública, a gravidade é ainda maior.

Não lutamos tanto para ter um Estado Democrático de Direito para depois desrespeitar as normas vigentes dessa forma. Se a segurança pública ou a Justiça não condizem com o que a sociedade aspira, temos que lutar nos âmbitos legais para melhorá-las.

Não se trata de defender bandido ou de concordar com a violência, mas de buscar uma sociedade melhor pelos meios pacíficos, respeitando o ser humano. Assim, reitero o que disse Gandhi, que defendia a revolução pela paz: "Olho por olho e todos ficaremos cegos".

*Marco Aurélio é deputado estadual pelo PT.

alesp