Opinião - Um "chega pra lá" nos abusadores dos trens e do metrô


16/04/2014 15:55 | Beth Sahão*

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Um verdadeiro martírio. É assim que podemos definir o drama vivido pelas usuárias do metrô e da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), alvos recorrentes da ação de maníacos sexuais. O problema ganhou repercussão no país após a mídia noticiar uma onda de abusos praticados nas estações e mesmo no interior dos vagões. Os ataques, que resultaram em mais de 20 prisões apenas neste ano, incluíam desde toques indevidos (dentre os quais podemos citar as famigeradas "encoxadas") até tentativas de estupro.

Sabemos que o fenômeno não representa uma novidade no cotidiano dos trens e do metrô. Na década de 1990, por exemplo, diante das inúmeras queixas de passageiras vítimas de ataques nos trens da Grande São Paulo, a CPTM resolveu criar vagões destinados só a mulheres. Não demorou muito e as autoridades se deram conta de que a ideia era completamente desprovida de sentido, uma vez que esbarrava na Constituição (feria o direito de ir e vir dos usuários e usuárias) e na própria superlotação do sistema.

É lamentável perceber que, quase 20 anos depois desse retumbante fracasso, a proposta segregacionista dos vagões exclusivos volte a ser cogitada como uma "solução" para o problema dos abusos sexuais. Essa forma, a meu ver equivocada, de encarar o tema espinhoso não leva em conta um fato de suma importância: a despeito dos grandes avanços alcançados pelas mulheres nas últimas décadas, o Brasil continua a ser um país essencialmente machista e patriarcal.

No imaginário popular (e essa simbologia é reforçada diariamente pelos meios de comunicação), a mulher - seu corpo, principalmente - ainda aparece como um objeto destinado a satisfazer os desejos masculinos. Essa realidade fica evidente nos resultados da pesquisa "Tolerância social à violência contra as mulheres", realizada neste ano pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea). Nela, 58% dos entrevistados disseram concordar com a máxima de que "se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros".

Essa visão distorcida do mundo é ensinada às pessoas desde o momento em que elas nascem, a ponto de gestos discriminatórios (o assobio malicioso, o comentário que causa desconforto ou mesmo os toques indesejados) converterem-se em "parte da paisagem" em nosso país.

Tal lógica perversa, ao mesmo tempo em que orienta a ação dos abusadores, cria enormes barreiras para que as mulheres busquem justiça contra seus algozes. Com relação a isto, basta lembrar que os mais de 17 mil processos relativos a violência de gênero instaurados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em 2011 resultaram em meras 249 condenações.

Na audiência pública que realizamos no último dia 8, na Assembleia, ouvimos vários relatos sobre os empecilhos enfrentados por mulheres para obterem apoio ou mesmo orientação sobre como lidar com situações de assédio. Por essa razão, apresentamos projetos de lei buscando garantir que os profissionais do Metrô e da CPTM sejam capacitados permanentemente, de modo a que estejam aptos a lidar de forma eficiente com esse tipo de situação. E, ao mesmo tempo, cobramos a utilização das mídias internas das duas companhias para a divulgação de campanhas de conscientização contra a violência sexual.

Aliado a isso, defendemos a implantação de um programa de combate e prevenção à violência de gênero nas escolas públicas paulistas. Acreditamos que um trabalho voltado à formação de crianças e adolescentes, aliado a ações efetivas de combate à impunidade, será fundamental para que consigamos, de uma vez por todas, dar um "chega pra lá" nos abusadores. Afinal, nenhuma criança nasce machista. Elas são ensinadas a agir dessa forma equivocada. Por isso mesmo, temos de ajudar as futuras gerações a verem o mundo sob uma nova ótica, pautada pelo respeito à diversidade e à igualdade.

*Beth Sahão é psicóloga, mestre em sociologia e deputada estadual pelo PT.

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