Alunos da FMUSP desvendam bastidores do Show Medicina

Estudantes dizem que estão recebendo ameaças por causa das denúncias
14/01/2015 19:24 | Da Redação: Keiko Bailone Fotos: Maurício de Souza

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Deputado Adriano Diogo, presidente da CPI que investiga as violações dos direitos humanos nas universidades paulistas<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-01-2015/fg166939.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Alan de Oliveira no painel de debates da tarde da CPI que investiga as violações dos direitos humanos nas universidades paulistas<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-01-2015/fg166940.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Felipe Scalisa, Caio Zampronha, Alan de Oliveira, Adriano Diogo, Dr Ulysses, Andressa Oliveira e Mauro Xavier<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-01-2015/fg166941.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Mauro Xavier presta depoimento <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-01-2015/fg166942.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Andressa Oliveira presta depoimento na CPI que investiga as violações dos direitos humanos nas universidades paulistas<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-01-2015/fg166943.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Presentes na tarde desta terça-feira, 13/01 <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-01-2015/fg166944.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Felipe CPI que investiga as violações dos direitos humanos nas universidades paulistas<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-01-2015/fg166945.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Felipe, Caio, Alan e Adriano Diogo<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-01-2015/fg166946.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> CPI que investiga as violações dos direitos humanos nas universidades paulistas<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-01-2015/fg166947.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Público presente na tarde de 13/01<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-01-2015/fg166948.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Felipe Scalisa, Caio Zampronha, Alan de Oliveira e Adriano Diogo<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-01-2015/fg166949.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

A CPI que investiga as violações dos direitos humanos nas universidades paulistas ouviu, na tarde desta terça-feira, 13/1, cinco alunos da faculdade de Medicina da USP (FMUSP) que contaram como são organizados os eventos chamados Show Medicina. Falaram também sobre os trotes a que são submetidos os calouros nos dois primeiros anos do curso.

O Show Medicina, definido por alguns alunos como espetáculo teatral de calouros e veteranos da FMUSP, que ocorre anualmente no mês de outubro. É antecedido por exaustivos ensaios que se sucedem nos dois meses anteriores, num total de até 45 encontros. Nesses dias, os alunos entram às 20h e ficam pelo menos até as 4h da madrugada. Ficam responsáveis pela separação de materiais e limpeza do local - sala do 1º andar do Centro Acadêmico Oswaldo Cruz -, que é também utilizado para aulas a partir das 6h da manhã. Nesses ensaios, os ingressantes que cochilam são acordados com o órgão sexual do veterano no rosto.

Segundo o relato dos estudantes Felipe Scalisa, Alan de Oliveira, Caio Zampronha, Mauro Xavier e Andressa Oliveira, os ingressantes que se voluntariam para participar do Show Medicina - uma média de cem estudantes - passam por uma espécie de vestibular. São levados para o palco de um grande teatro. Por causa dos holofotes, não há como saber quem está na plateia. Todos são instados a ficar nus. Alguns simulam estupro. Quando as luzes se acendem, a lógica da hierarquia, onde o veterano pode mais que o novato, se evidencia: são eles que avaliam os calouros e os aprovam ou não para participar do Show Medicina. Nos ensaios do show, sucedem-se piadas homofóbicas, xenófobas e racistas.

Bebedeira e sequestro

Alan de Oliveira contou sobre os trotes: subir em uma mesa para simular posições sexuais, passar gelo nos genitais, e aquele que ainda lhe traz lembranças: o de beber até seu limite. "A cada dia, um dos calouros passa por esse trote. Você é amarrado numa cadeira para não cair de tanto beber. E vai tomando destilados até passar mal e desmaiar. Isso porque, quando você não aguenta mais, um outro colega faz você beber ainda mais. Em dado momento, mesmo sendo segurado, levantei, tropecei, caí de cara no chão, bati a cabeça e quebrei o dente molar. Me deram um banho porque eu havia vomitado. Ligaram para um sapo (apelido dos veteranos) da Ortopedia. Ele me cutucou, acordei, me deu um mata-leão e me levaram para o Instituto Central. Lá, um cirurgião fez tomografia porque eu estava com um traumatismo cranioencefálico". Oliveira disse duvidar que alguém quisesse que ocorresse um trauma como o sofrido por ele, mas o grau de inconsequência é tão grande que, dois dias depois de seu episódio, o trote foi repetido em outro calouro, que perdeu quatro dentes.

Esse mesmo estudante, Alan de Oliveira, escapou por pouco de sofrer uma lesão nos olhos, no chamado "churrasco da invasão". Esse churrasco seria partilhado, segundo os veteranos, só por eles e os calouros, em um sítio. Entretanto, depois da meia noite, chegam vários mascarados vestidos com roupas de hospital. "Quem ainda não estava na piscina acaba sendo jogado. Depois jogam lança-perfume na piscina para causar formigamento. Só que um lança-perfume acertou meu rosto e queimou meus olhos", contou Oliveira, que, por sorte, não tem sequelas desse episódio.

Um outro trote narrado pelos depoentes foi a noitada da prostituição: os calouros são convidados a comparecer a um apartamento vestidos a rigor. Antes recebem um medicamento indicado para déficit de atenção e Viagra. Lá chegando, depois de muita bebedeira, encontram prostitutas contratadas pela diretoria da Atlética.

Sequestro de calouros

Questionado pelo presidente e pelo vice-presidente da CPI, respectivamente deputados Adriano Diogo (PT) e Sarah Munhoz (PCdoB), o estudante Mauro Xavier relatou sobre o que vem a ser o "sequestro", já que foi vítima desse método nos ensaios do Show Medicina de 2012: "Os veteranos podem sequestrar os calouros para aplicar um trote neles a qualquer momento. E assim foi. Pegaram cinco calouros. Tivemos que tirar a roupa e simular prática homossexual na frente de 20 ou 30 pessoas. Foi bastante constrangedor e humilhante. Eu não contei aos meus pais, só ao meu terapeuta", confessou.

Fraternidade e silêncio

A violência que ocorre na FMUSP durante os ensaios do Show Medicina ou nas Intermed - torneios entre faculdades - fica envolta em uma aura de silêncio, segundo os depoentes. Seja vítima ou autor, todos se calam.

"A violência é negada", frisou Felipe Scalisa, ao explicar que a FMUSP é sempre retratada de forma ufanista, "há uma cultura interna de que ali se encontra a elite do país".

"Existe uma espécie de fraternidade com modus operandi semelhante a uma seita ou maçonaria, com privilégios e poder. É uma instituição conservadora e machista. Quem se opõe a essa tradição é estigmatizado e perseguido", narrou Scalisa. Ele, como os demais estudantes, já depôs na audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia e voltou à CPI de violações dos direitos humanos nas universidades para reiterar trotes violentos do Show Medicina. E, por conta dessas denúncias, todos têm sofrido ameaças.

Na opinião de Scalisa, a FMUSP impõe uma formação ideológica em que se violam os direitos humanos e perde-se o direito à verdade. A vítima não pode falar sobre o que se passou com ela. E esse pacto de silêncio é partilhado pelos estudantes da FMUSP.

"Foi bizarro"

Assim definiu Scalisa ao lembrar o esquete de dez minutos que foi apresentado no Show Medicina do ano passado. Mais da metade do espetáculo fazia alusão aos coletivos - que lutam pelos direitos humanos e das mulheres na USP. No esquete, Scalisa foi personificado por um estudante de nome Michel, de forma estereotipada, como uma pessoa autoritária, dando entrevista à apresentadora Marília Gabriela.

Um veterano conhecido como Sorocaba, diretor do Show Medicina de 2012 e 2013, foi citado pelos depoentes como um dos mais combativos agressores dos coletivos; houve citação também a Marcos Oriuchi, homossexual assumido que não aceita a representação dos coletivos. "Ele é uma suposta prova de que não há discriminação", disse Scalisa, reiterando que "foi bizarro ver 400 pessoas rindo de alguém que luta pelos direitos humanos".

Meninas só costuram

Nesses 72 anos em que o Show Medicina é encenado pouco parece ter mudado, principalmente no se que refere ao caráter machista do espetáculo. As meninas respondem unicamente pelo figurino e não participam do processo criativo e nem artístico, já que os personagens femininos são encenados pelos meninos, explicaram os depoentes.

"O Show Medicina retrocede décadas nos direitos das mulheres. Desde o dinheiro da costura, que é dado por um veterano, até a caveira, símbolo do Show Medicina. É a apresentação de uma peça de humor que perpetua a violência contra o negro, o pobre, os homossexuais e o nordestino", reafirmaram os depoentes.

O deputado Dr. Ulysses (PV), médico formado pela FMUSP há 51 anos, presente a essa reunião da CPI, disse estar "triste e estarrecido com os depoimentos". "O Show Medicina era maravilhoso, interessante, com gozações inocentes, sem agressividade". Lamentou o fato de a faculdade de Medicina ter seu nome maculado com esses trotes e elogiou a coragem dos depoentes.

A deputada Sarah Munhoz (PCdoB) levantou questões como o patrocínio oferecido por fabricantes de bebidas alcoólicas às megafestas da Atlética. Também apelou ao presidente Adriano Diogo sobre segurança a ser oferecida aos estudantes que vêm depor na CPI, e que estão sendo perseguidos e ameaçados.

alesp