Opinião: A construção da intolerância


29/10/2015 18:24 | Márcia Lia *

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Pouco a pouco, estamos assistindo, no Brasil, à desconstrução de um elenco de direitos conquistados no período pós-democratização, especialmente nos últimos 13 anos, desde que Lula chegou à Presidência da República. E não tenham dúvidas: a desconstrução da imagem pessoal e institucional da presidenta Dilma serve também a esse propósito, com o agravante de servir a um projeto pessoal de poder e de sobrevida nele, no pós-operação-faxina bancada pelo governo Dilma.

Correlato a isso, avalio que está em curso um processo de "construção da intolerância", onde a ira e a intransigência substituem qualquer possibilidade de diálogo como caminho para a solução de conflitos. É sintomático e preocupante, porque poderemos voltar rapidamente, enquanto nação, a um desequilíbrio de forças sociais que marcou a própria colonização do país, por centenas de anos, com a já conhecida pilhagem dos nossos recursos naturais e com o boicote à luz que o verdadeiro ensino traz às pessoas, permitindo transformar opressão em liberdade; carência em fartura; desrespeito em respeito; e país em nação.

Está claro, a meu ver, que essa construção passa pela cessação de direitos legais, pela divisão objetiva ou subliminar da sociedade entre os que "merecem" e os que "não merecem", amplamente noticiados pela mídia comercial, e quase sempre sem questionamento.

Prestem atenção: muitos dos comentários que lemos e ouvimos são uma homenagem à intolerância. E o pior é que as pessoas começam mesmo a se sentir superiores ou inferiores, onde quer que estejam: no cotidiano, nas instituições, na vida pública ou na vida privada. É como se acostumar com a dor, mesmo sabendo que há remédio, mas este "não lhe pertence". É como beber e matar no trânsito e saber que sua condição financeira ou seu sobrenome garantirá que a "pena lhe seja leve".

Portanto, o muro da desigualdade de direitos está sendo erguido travestido de moralidade e de amor à Pátria, afetando diretamente as chamadas minorias: mulheres, crianças e adolescentes, negros, indígenas, população LGBT e quilombolas.

A revisão do Estatuto do Desarmamento atende muito mais aos interesses da indústria bélica do que aos interesses da sociedade em coibir a violência. Na mesma toada, há o projeto da redução de maioridade penal, que na prática desobriga os governos a disputarem os jovens com o crime por meio de educação e políticas públicas inclusivas: "cadeia neles, ora bolas". Ou ressuscitar o projeto 4330/2004, que amplia a possibilidade de terceirização da mão de obra. Interesse de quem?

Na pauta recente, a transferência da responsabilidade pela demarcação de terras indígenas do governo central para o Congresso Nacional e o projeto que regulariza ativos no exterior, não declarados, são sinais escandalosos dos interesses que pautam as discussões. São sintomas de uma doença que afetará a todos, porque não se iludam: o mal que atinge nosso vizinho nos atinge também, independente se concordamos ou não com ele, ou se gostamos ou não das mesmas coisas que ele.

Por trás da responsabilização e da criminalização de um único partido (que cometeu erros, sim), a impunidade e os interesses nada moralistas campeiam à nossa frente.

* Marcia Lia é deputada estadual pelo Partido dos Trabalhadores (PT)

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